segunda-feira, 30 de setembro de 2013

Teorias Falhadas

Ao terceiro cigarro Duarte aparece. Pergunto se viu Chloe. Sim, viu-a. Está lá em baixo a falar com o encenador e com pessoas aprumadinhas. Talvez afaguem o ego de mais alguém para novas produções, penso. Pergunto pela rapariga com quem estava a falar. Sabes a minha teoria, diz-me, por vezes não é preciso muito tempo. O ar de gozo não esconde. Ela não passou no segundo bloqueio, pois não? Pergunto. Não responde-me a rir

Sem Palavras & 100 Palavras - Exemplo


Força & Inocência - Exemplo


domingo, 29 de setembro de 2013

Gostar é

Ver muito para além daquela camada de pele que nos cobre o corpo. Os músculos, a gordura e os ossos. Aqui nos têm! Desprovidos de qualquer máscara que criamos no dia-a-dia. Somos agora um ser frágil que espera aceitação. A luz continua acesa. E o interruptor está tão perto. Mas a mão continua em baixo. Dança ali naquela zona das ancas sem saber o que fazer.

Gostar é mais que tirar a roupa. Ouvir o doce embalar de uma qualquer voz. Ou a ponta do nariz naquele momento em que se está a falar. Tudo conta quando nada interessa. O conjunto é indissociável das partes e as partes só são notadas no todo.

É uma realidade tão exposta quanto aquilo que somos. Nós, ali, sob a luz que nos ilumina todos os defeitos. As marcas de nascença. Os sinais e as cicatrizes feitas quando crescíamos. Os cabelos em desalinho. É mostrar o corpo mostrando tudo. Num gesto desprovido de qualquer sensualidade. Abrir a porta de uma intimidade imaterial e não esconder nada.

Porque gostar não se consegue com camadas entre a pele de quem se gosta. Porque gostar é simples quando é real. Porque gostar é partilhar o toque, e o o toque é calor, e o calor é paixão, e a paixão é tesão, e a tesão é nua. Porque gostar é mandar abaixo as barreiras que nos criam e correr até aos lábios de quem nos espera. Sentir uns braços em roda do nosso pescoço enquanto afundamos o rosto num pescoço que alberga o melhor cheiro que já sentimos.

sexta-feira, 27 de setembro de 2013

O Som Da Cotovia

A primeira vez que fui a Nova Iorque tinha 8 anos. Ou 10. Não me lembro, a sério. Fui contra-vontade do meu pai. Ele ia em trabalho e eu decidi que ia também. Quando eu a minha mãe o fomos levar ao aeroporto, nas despedidas, fugi para a zona das portas de embarque. Quando o meu pai chegou ao pé de mim tinha já perdido o bom humor na corrida. Vinha com ele um segurança. Gritei que também ia e também ia. Na minha mochila tinha uma muda de roupa escondida dos meus pais quando saímos de casa. O meu pai bufou. O segurança riu-se. E contra a sua vontade comprou-me um bilhete de última hora. No balcão tentou explicar à menina que o atendia da melhor forma. O meu filho fugiu para porta de embarque e quer ir à viva força comigo. Recordo a conversa de 10 minutos que o meu pai teve com a minha mãe. A minha mãe dizia que estava de férias. Que sempre quis ir. Que o Hotel onde ele ia ficar tinha onde me deixar durante o dia. E depois poderia levar-me a fazer mil coisas. E foi este o argumento que ganhou o meu pai. Ter-me lá. Poder passear comigo naquela cidade que ele adorava. Dei um beijo na minha mãe e ela abraçou-me, porta-te bem, disse-me. Claro, mãe.
 
Durante a viagem fiz o meu pai questionar se tinha sido uma boa ideia. Falta muito? Falta muito? Falta muito? As Hospedeiras acharam-me piada. Deram-me bolos. Levaram-me ao cockpit. Vi o céu lá de cima. E foi o mais perto que tive de Deus. Azul em cima. Azul em baixo. Azul. E ficou a minha cor preferida. Quando chegamos tinha chegado à minha cidade preferida.
 
O meu pai na primeira noite levou-me a jantar fora. Levou-me ao Times Square. Tudo era cor e tudo era movimento. Eu era pequenino. Estive sempre a olhar para cima. O meu pai sorria a ver-me olhar para tudo de boca aberta. Gostas? Sim, sim, respondi quase aos gritos. Nos dias seguintes sempre que o meu pai chegava fazíamos alguma coisa diferente. Num dia fomos andar de bicicleta no Central Park. Subimos ao alto de prédios que não sabia o nome mas tinham filas enormes. Uma noite estávamos no hotel. O meu pai estava a ler uns documentos e eu a ver televisão. Na altura já percebia um bocado de inglês. Pai, disse, porque é que há pessoas que dizem que a cidade é perigosa? Onde eu fico durante o dia dizem que a norte a cidade é perigosa. O meu pai pousou o que estava a ler e perguntou-me porque é que tinham dito isso. Não soube responder, apenas que tinham dito isso. No dia seguinte quando o meu pai chegou disse que íamos a um sítio. Entrei num carro com ele e estava lá um homem de cor. É o Terrel, disse-me o meu pai, trabalha comigo e é daqui. Eu cumprimentei-o. E ele deu-me de volta um sorriso enorme de grandes dentes brancos. Durante o caminho o meu pai e o Terrel iam a falar. Quando o carro parou meu pai deixou-me sair. Perguntei-lhe onde estávamos. Os prédios eram mais baixos. As ruas um bocado mais pequenas. Foi Terrel que me respondeu. Falou devagar para perceber o que me dizia. Isto é o Bronx, onde eu vivo. Não tens medo? perguntei. Ele sorriu e disse que não. 
 
Nesse final de tarde aprendi a jogar basebol com os miúdos pretos na rua. Falavam rápido e quase que não os percebia. Mas os putos não precisam de falar para se perceberem. Quando bati a minha primeira bola toda a minha equipa gritou de contente. Não interessava que eu era o único branco. O branco que não  falava com eles. Que não sabia jogar. Tinha feito um ponto para a minha equipa. Havia um que tinha um skate. Pedi para andar. Caí. Uma vez e outra. Todos se riram de mim. Eu ri-me com eles. Ria-me quando eles tentavam dizer o meu nome. Eles riam-se quando eu dizia o nome deles. Descemos a rua sozinhos e fomos comprar bolos e gomas e chocolates. Eu não tinha dinheiro comigo. Nem tinha o dinheiro deles. Mas provei o que eles compraram porque me deram a experimentar. E viram a minha reacção quando provei aquelas coisas que não sabia o nome. Eu e o meu pai jantámos na casa do Terrel. Perguntaram-me se eu tive medo. Disse que não, era igual ao meu bairro. 
 
Quando nos fomos embora Terrel perguntou ao meu pai se me podia dar uma coisa. O meu pai disse que sim. E ele deu-me um livro. Em inglês. Não o conseguia ler naquela altura. Em Portugal, uns anos depois, li o mesmo livro em Português. E hoje, passados tantos anos comecei a ler aquele livro. O que quer dizer que o estou a reler. Mas a ler na língua original um livro que tem mais de 15 anos na minha posse. Estou a reler To Kill a Mockingbird.
 
"You never really understand a person until you consider things from his point of view... Until you climb inside of his skin and walk around in it." 

Suit & Shoes, A Questão Da Proporção - Exemplo


quinta-feira, 26 de setembro de 2013

Como Se Formam Casais


"O Duarte na sua extrema auto-confiança tem uma teoria em que estamos com a pessoa que é nossa igual. Só assim se consegue suportar o tempo. Esse pessoa terá o mesmo nível de inteligência. Não necessariamente o mesmo nível de conhecimento. Terá o mesmo nível de beleza. Por isso é que ele está quase sempre sozinho. O tempo encarrega-as de as levar embora. Ele não tem culpa. É o tempo. O tempo mostra tudo. Olho para Chloe e acho que ele está engando."

Neste Dia Que A Chuva Começou, O Que Fica Do Verão - Exemplo


Memória De Uma Realidade Estética

Começa no Chiado. Descer a Rua Garrett, depois a do Carmo, colocar os auscultadores Beat by DRE, ouvir A$aP Rocky em Fashion Killa e subir a Avenida da Liberdade. Cabelos compridos mais claros nas pontas com risco ao meio, escondida pelos óculos escuros. Um casaco um pouco oversized por cima de umas calças justas pontuadas com umas botas pretas. Ignora a H&M, a Muji e só pára já na montra da Miu Miu onde cobiça as carteiras. O instagram enche-se de fotos com inúmeras hashtags. Perde-se na Fashion Clinic, entre vestidos Gucci, Céline e Stella. Quer uns ténis Marat para calçar em vez das botas. Combina streetwear com high fashion e algumas outras coisas a que chama vintage. Cobiça o girly girly da Prada. Lamenta a não existência da Givenchy ou de uma Rick Owens. Queria tanto as camisolas pretas com o bulldog. Ficavam o máximo com a sua pele bronzeada da praia recente e o cabelo quase em dois tons. Mas óptimo era uma Balenciaga ou uma Proenza Schouler. Comenta, escreve, publica sobre o que gosta e quer enquanto continua a subir. Na rotunda do Marquês desce agora pelo lado mais probre da Avenida. Sobe até ao primeiro andar do São Jorge. Ali na esplanada pede uma água e um café e acende um cigarro.
 
 

Allure - Exemplo


Qual A Importância Do Tempo?

Naquele tempo soubeste quem eu era.
Naquele tempo soubeste o meu nome.
Soubeste antes do tempo.
Soubeste antes de te dizer como me chamava.
Soubeste tudo antes de ser tempo de o saberes.
Naquele tempo as coisas tinham o seu tempo. 
Hoje não.
Mas tu não eras daquele tempo. 
Eras do tempo de hoje quando estavas lá atrás no tempo. 

quarta-feira, 25 de setembro de 2013

A Liberdade, Esse Bem Na Música


Not alone with a dream 

Just want to be free 

With a need to belong 
I am a clansman... Freedom




Como Escolhi O Que Calçar Hoje

Hoje, antes de sair de casa, fui levar o lixo. Já estava vestido. Nó da gravata feito e tudo. Em vez de calçar os sapatos, calcei os New Balance cor de vinho. Combinavam com a gravata e tudo. Por momentos pensei vir trabalhar assim. Tal como vi um tipo em Milão, de fato e ténis New Balance. Caminhava pela rua confiante quando o vi. Mãos atrás das costas e casaco aberto. Acho que é a única coisa que retirei de Milão para o meu dia-a-dia, o casaco de fato andar aberto. E hoje ponderei trazer os New Balance. No fundo ser um copião. Depois pensei em entrar no elevador com toda aquela gente. Pasta na mão - odio pastas, e quando chego ao elevador é o momento em que a tiro das costas e passo-a para a mão - e de ténis. Naquele espaço reduzido, naquele modo de transporte cúbico de metal que nos leva para cima e para baixo, todos iam-me tentar olhar para os pés. E depois ao chegar ao escritório e a dizer os bons dias. Mais uma vez todos iriam-me olhar para os pés. Deito-me a adivinhar quanto tempo levaria a que me dissessem algo. Porque isto ainda é isto, ou seja, isto ainda é Status Quo.
 
 
Quando cheguei a casa olhei para os meus pés de New Balance e os sapatos ali ao lado. Nunca julgues alguém até andar nos seus sapatos foi uma expressão que me fez todo o sentido hoje de manhã.
 
 
Vim de sapatos.
 
 
 

Diário De Bordo

Pensei no outro dia, vou escrever um diário. Depois lembrei-me, mas eu tenho um blog. Mas qual a diferença entre um blog e um diário? Foi o que pensei de seguida. Talvez um diário seja mais pessoal. Coisas que deverão ser lidas só por nós. Mas o que deve ser lido por outros? Há quem publique os seus diários. Os abra a terceiros. Com coisas extremamente desinteressantes a não ser para quem as escreveu. Que interessa que hoje o meu pequeno-almoço tenha sido um ovo mexido e um batido de banana com bolachas maria. Ou que vesti o meu fato escuro com os brogues pretos. Que vi uma rapariga com as unhas perfeitas no metro. Estavam pintadas de encarnado. Mas um encarnado bem bonito. Estavam muito bem arranjadas. Ia a ler um livro sobre os fundamentos de marketing. Lembrei-me logo d`Ela. Em como lhe dou sempre dois beijos na boca e um na face esquerda. Acho que o meu diário estaria cheio de pequenas coisinhas como estas. Como o senhor que encontro todos os dias quando vou beber café. Tem sempre o nó da gravata mais perfeito que já vi. Às vezes tento-o imitar em casa. Mas nunca sai sempre tão bem como o do senhor. É como aqueles tipos, com cabelos bem cortados, todos muito bem pentedados. Todos puxados para trás a fazer um risco ao lado perfeito. Como conseguem? Ou poderia fazer a contagem de cafés que bebo durante o dia. Separava-os em os da máquina Nespresso e os de café café. Uma listinha ao lado da outra. Mas isso não teria nenhum interesse. Poderia dizer o que estou a ler. Neste caso a reler - é o To Kill a Mockingbird, já agora. Não tenho muito a dizer que já não tenha dito algures. Poderia escrever sobre a minha impressão das novas tendências, agora que se aproxima o tempo mais frio. Vai começar aquela fase em que uns vestem gordos casacos. Outros ainda andam de braços nus. A minha breve teoria sobre ténis e sapatos.  Como uns ténis não são uns ténis. Recordar é viver, escreveria sobre Nova Iorque. Quando lá fui. Como lá fui. O que comi. Onde dormi. O que vi. O que achei. O que cheirei. O cheiro para mim é algo de hipérbole importância. Poderia encher páginas - ou posts - como brinco com o Gato Preto. E seria extremamente monótono. Jogo um dos seus brinquedos e ele vai buscar. Tal e qual um cão que calhou ter nascido gato. Sorte ou infelicidade a dele. Ele teve foi muita sorte. Foi encontrado num caixote de papelão ao pé do lixo. Encontrou um lar quando esperava a morte. Há animais com sorte. E humanos, afinal ele veio cá para casa. A sorte que eu tive.

Depois, lembro-me, isto é só um blog.

terça-feira, 24 de setembro de 2013

No Último Sábado À Noite

Talvez não tenha ninguém neste momento, digo voltando ao assunto Duarte. Ela olha para mim com sarcasmo nos olhos. Por favor, Santiago, achas? Talvez não tenha ninguém a quem dê importância para convidar. Tu conhece-o melhor que isso. O telemóvel toca na sala. Volto à obreira da porta, o Duarte já chegou. Ela diz para esperarmos por ela lá em baixo. Está quase a terminar.

O Duarte está encostado ao carro. Uma mão no bolso a outra com um cigarro pendurado. Então, pergunto, porque não vieste com alguém? Ele sorri antes de me responder. Aposto que falavam sobre isso. Sei lá, pá, achei que era mais divertido vir sozinho. Além de que ela depois vai falar com toda a gente e alguém tem de te fazer companhia. Continua a sorrir enquanto responde. Chloe desce naquele momento.

À porta um tipo alto vestido de preto. Cumprimentou Chloe com um sorriso acolhedor que retribuiu. Chloe entrou com confiança. Duarte entrou com gosto. Eu entrei com um pé atrás do outro

Thomas Jefferson Affair - O Direito E A Minha Vida

Não sei se teve na sua vida uma Rene Russo, a provar que nunca se deve substimar uma ruiva. Mas isso é todo um outro filme.
 
A história de Thomas Jefferson ligada ao Direito e à escrita é a que mais me cativa. Thomas Jefferson foi um pessimista. Alguém que acreditava no pior das pessoas. Que via sempre tudo pelo lado mais negro. E atribuia a essa faceta à sua formação em Direito. 
 
Como eu o percebo.
 
Direito forma-nos. Mas também desforma-nos. E obriga-nos a pensar em questões que para outras pessoas são metafísicas: defendias um culpado? Defendias um violador? Foram questões que tive de responder quando assumi que queria tirar Direito. Aquilo forma a nossa personalidade. Define a forma como nos vêem. A forma como vêmos os outros. Mas atinge as coisas de forma diferente. Torna-nos mais liberais ou mais conservadores. E sabemos que iremos lidar com a merda da sociedade. Desdo o primeiro momento que sabemos isso.
 
Thomas Jefferson sabia disso. E a forma como contrabalançava este espectro negativo da sua personalidade era ler poesia. Dessa forma acreditava, ainda que por breves palavras, na bondade e na beleza do Homem. Sabia poemas de cor. Escrevia poemas em folhas. Deles e de outros. Tinha preferidos.
 
Foi no primeiro ano Faculdade que - ao mesmo tempo que aprendia o que era a justiça, o que era o erro justificável, o dolo e a negligência e a equidade -  comecei a escrever mais a sério. Os textos que tinha em cadernos ficaram para trás. Abri o primeiro blog. Tentei poesia (falhei redondamente, procurei ir atrás da poesia em prosa em que Pessoa era fantástico). Escrevi "contecos".  
 
E quantos às questões, se defenderia um culpado? A minha resposta foi sempre, como sabemos se é culpado se não dermos o benefício da dúvida?
 
The main one is, if I didn`t I couldn´t hold my head in town (..)
Atticus Finch in To Kill a Mockingbird
 
 
 
Acabei por não ser advogado no fim do curso, apesar de continuar ligado às leis. Tal Como Thomas Jefferson que defendeu a luta contra a escravatura, mas foi um alegre possuidor de muitos escravos e ter libertado muito poucos. O Mundo está cheio de hipocrisias.
 
 
 
 

Lembrar Antonio Ramos Rosa

1924 - 2013

É por Ti que VivoAmo o teu túmido candor de astro 
a tua pura integridade delicada 
a tua permanente adolescência de segredo 
a tua fragilidade acesa sempre altiva 

Por ti eu sou a leve segurança 
de um peito que pulsa e canta a sua chama 
que se levanta e inclina ao teu hálito de pássaro 
ou à chuva das tuas pétalas de prata 

Se guardo algum tesouro não o prendo 
porque quero oferecer-te a paz de um sonho aberto 
que dure e flua nas tuas veias lentas 
e seja um perfume ou um beijo um suspiro solar 

Ofereço-te esta frágil flor esta pedra de chuva 
para que sintas a verde frescura 
de um pomar de brancas cortesias 
porque é por ti que vivo é por ti que nasço 
porque amo o ouro vivo do teu rosto 

segunda-feira, 23 de setembro de 2013

A Recordação Mais Antiga


"A minha recordação mais antiga é o momento em que me senti mais sozinha. Não foi quando o meu pai emigrou. Foi ainda antes. Estava na casa dessa senhora. Era de tarde, depois de almoço. Ela ponha-nos a dormir todos na sala. Estendia umas mantas e ficávamos ali a dormir umas horas a fazer a sesta. Num desses dias estava fresco. Ela deixava as janelas abertas. A casa dela já era fresquinha mas ela abri-as na mesma. E eu lembro-me de acordar. Estavam todas as outras crianças a dormir. E a senhora não estava em lado nenhum. Percorri a casa toda e não a vi. Não me recordo de ouvir o que quer que seja. Mas julgo que seja a minha memória a construir aquilo que não se consegue lembrar. Voltei para o meu lugar mas não consegui fechar os olhos. Sentia-me a última pessoa no mundo. Sentia as outras crianças ali mas era como se fosse só eu. Sozinha, tinha sido abandonada e os outros nunca mais iriam acordar. Tinha medo só de fechar os olhos. Até que senti uma pequena mão no meu braço. Viro-me e era ele. Faz o sinal do dedo à frente dos lábios para não fazer barulho e disse-me que estava tudo bem. Eu relaxei e adormecia outra vez.

Era Mais Giro

Há duas coisas que consigo conceber comprar por impulso: livros e comida. O resto deve ser sempre objecto de pesada ponderação. Acredito piamente que depois dos 20 anos, ou quando se começa a trabalhar, não há nada que se precise mesmo. Além de casa e lençóis para dormir. Por isso, livros e comida. As única coisas que podem ser objecto de compras de impulso. Livros, mesmo que tenhamos em casa muitos. Muitos ainda por ler. Muitos que já nem se sabe onde estão. Qual a estante? A de cima ou de baixo? E comida por razões óbvias, ter fome é um impulso do corpo. Queremos comer. Logo compramos. Isto se não houver um iogurte na gaveta ou um peça de fruta ou um pacote de bolachas.
 
Depois da ponderação do que e quando comprar, surge um outro algoritmo. O era mais giro. Como não precisamos temos de formas a equação perfeita:
 
Gosto = Checked!
Posso = Checked!
Ele/ela gosta = Não!
 
Resultado = não acontece a compra.
 
Porque era mais giro que ele ou ela gostassem. Uma primeira espécie de aceitação social que é transposta para ele ou ela. Porque se quer agradar em primeira análise a ele ou ela. Isto depois de nos sentirmos confortáveis. Porque era tão mais giro que ele ou ela gostassem daquelas botas mesmo fixes que são tão parecidas às outras mas de uma outra cor que estão arrumadas desde o outono passado. Ou daqueles ténis tão simples mas que faziam um jeito para qualquer coisa que os outros que temos lá em casa fazem.
 
Era tão mais giro.

Umas Mamas Maiores Ou Um Nariz Diferente?

Vamos acreditar que o mundo é um lugar perfeito. Todos são perfeitos. Todos têm um belo corpo. Todos são belos. Alias, não se conhece o conceito de belo porque não há menos que isso. Mas o mundo não é perfeito.
 
Ainda bem que é imperfeito.
 
A beleza é uma realidade. Mais importante, é um conceito subjectivo. O que é belo para mim pode não ser para muitos. O que é interessante para uns pode ser irrisório para mim.
 
Mas todos queremos ser belos. Todos gostaríamos de mudar alguma coisa. Que algo fosse um pouco diferente. E a diferença, precisamente, é até onde se vai para mudar. Quanto se pagaria para mudar?
 
Aqui mostra o que alguns quiseram mudar. Para serem aceites. Para se olharem ao espelho e se sentirem apaixonados. Depois de verem o instagram de imensas pessoas bonitas e desejarem serem assim. Elas magras e com boas mamas. Rijas e empinadas. Eles musculados e com abdominais bem definidos. Biceps e triceps proeminentes. 
 
O que dita o que é belo? Quem vende, constrói e propaga este conceito subjectivo. Podemos atirar para a fogueira quem está associados ao belo mundo da beleza da moda.
 
Karl. É bonito?
Anna Wintour. É bonita?
Donatella Versace. É bonita?
Galliano. É bonito?
 
E ditam eles o mundo do belo. Que influenciam aqueles que fazem 30 minutos na passadeira. Seguido de 20 na elíptica. Fazem sauna a seguir e almoçam uma salada. E ainda aqueles que compram umas mamas maiores ou um nariz diferente.
 
A diferença é a capacidade de absorção e aceitar a própria diferença. Porque, felizmente, o mundo é imperfeito.

sexta-feira, 20 de setembro de 2013

O Corpo

Ama quem te deseja. Deseja quem tem ama. Prova que o amor pode ter paixão e a paixão se pode transformar em amor. Mas num círculo de afectos, as pontas não entram. Tudo são estádios que podem conduzir a um outro. Mas não são o outro. Desejar um corpo não é amá-lo. Não é amar a quem ele pertence. Tesão é paixão. Sensualidade do desejo é vontade do Sexo. Mas amar um corpo é dar-mo-nos a quem ele pertence. Porque o que se deseja muitas vezes não é o que se vem amar. Mas o que se chega a amar deve ser objecto do nosso desejo.

Num mundo de afectos instantâneos e estímulos constantes as coisas confundem-se. Desejam-se mamas. Desejam-se ombros largos. Amam-se, dizem eles. Abraçados para fotografias com largos sorrisos. Choros na almofada sozinhos. Não há amor. Apenas desejos secos. Pólvora vazia. Cartuchos gastos em penetrações avulsas. Amor, diziam eles. Desejo seco, de sexo, de corpos suados. Isso sim.

A realidade é sempre lixada. Como o reflexo no espelho da casa-de-banho de manhã. Existem sempre olheiras. E cabelos em desalinho. Porque os corpos estão nus. Ali na frente daquele reflexo desprovido de empatia. Mostra todos os pequeninos defeitos. Um sinal. Uma cicatriz. Uns quilos. E a realidade é o amor. Que faz nascer o desejo. Pela tesão que nasce de um corpo que é apenas nosso. Para nós. Para quem chega por trás para abraçar quem o reflexo mostra. 

quinta-feira, 19 de setembro de 2013

Terminar O Dia


Comprar Uns Ténis Nunca É Só Comprar Uns Ténis, A Diferença Entre Eles E Elas

Houve uma altura em que comprava ténis duas vezes por ano. Uma no regresso às aulas e outra no início do verão. Depois tinha os ténis para o futebol e para a ginástica. E era só. As coisas eram simples. Estavam bem delineadas.
 
Não consigo identificar quando esta harmonia se corrompeu.


Depois tornei-me entusiasta. Ténis do dia-a-dia confundem-se com os ténis de desporto. Salvam-se algumas excepções. Não corro nem vou ao ginásio de Vans ou All-star, por exemplo. Já os New Balance ou os Nike Free Run são anfíbios.
 
 
Isto separa os homens das mulheres. Muitas olham para os ténis como.. ténis. Coisas para desporto. Quando têm no armário 6 sabrinas, 3 pumps, 5 strap sandals, 4 havainas, 2 botas de cano alto - umas com salto e outras rasas- , 2 botas de cano médio - umas com salto e outras rasas. Pelo meio calçado tendência que desaparece a cada 6 meses. E um par de ténis esquecido lá atrás.
 
 
Para elas todo aquele calçado tem um lugar. Um propósito. Uma situação. Para ficaram mais confortáveis. Para se sentirem mais poderosas. Para se sentirem mais adaptadas. Para se sentirem bem.
 
 
Para eles ténis é conforto. E cada vez mais aceitável. Quando Ricardo Tisci apareceu numa capa de uma revista de Nike houve esperança. Maior esperança era Don Draper usar ténis. Mas está fora de hipótese. Talvez nos safemos com Hank Moody. Ainda que a possibilidade seja também remota.
 
 
Eles são pragmáticos. Vamos ter de andar? Mais vale irmos confortáveis. Elas são idealistas. Cada situação ideal tem os sapatos ideiais.
 
 
Comprar uns ténis é complicado. Porque não será para uma coisa única. Não será para ir ao pão. Para ir comprar o jornal. Brincar com o cão no jardim. Ir à última hora comprar cenouras ao pingo-doce.
 
 
Os ténis têm de ser como a t-shirt branca lisa. Como a camisa oxford azul. Vai com quase tudo. Quase. Um fato pede sapatos. Olhos no chão e aceitemos a realidade. Tudo o resto pode ser discutível. Tudo é conjugado. Exemplos:

 




 

Granta Para Que Te Quero

Começa no próximo mês a ser enviado para assinantes o segundo volume da Granta, a revista. Terá contos. Autores conhecidos ao lado de desconhecidos. Não quer isso dizer menos importantes.
 
Mas, a grande incógnita, é que terá a revelação de alguém que escreve há anos e nunca antes publicado. Dito assim. Escrito desta maneira. Revelado desta forma pode ser qualquer pessoa. Mas não é uma qualquer pessoa. Porque vem logo para as páginas da Granta.
 
Sou eu.
 
Não sou.
 
É esperar para ler.
 

Política Em Lisboa

Fora de Série:
Viveu em Sintra enquanto Fernando Seara foi presidente. Como avalia o trabalho do seu adversário nesse concelho?

António Costa:
O tempo em que lá vivi correspondeu também ao início do mandato de Fernando Seara. Foi um trabalho mais indiciário e era injusto avaliá-lo por isso. Certamente fez um bom trabalho, caso contrário não teria merecido a reeleição.

quarta-feira, 18 de setembro de 2013

Até Onde Posso Ir?


Podes ir onde quiseres. Qualquer sítio que exista. Ou que exista somente na tua imaginação. Mas esses sítios podem mudar mal desças do autocarro. Porque quando os criaste eram apenas uma imagem. E assim que desces são reais tanto quanto podem ser. E a tua imaginação começa a trabalhar demasiado rápido, sem que te apercebas, para criar o que falta. Pode haver lapsos. Também podes andar no tempo. Para o passado. Para o presente. Para situações que viveste. Para o futuro. Como o imaginas. Como te dizem que vai ser. Podes ver o que te vais tornar. Ou o que achas que te vais tornar. Podes escolher ser visto quando sais do autocarro. Mas também podes escolher ser invisível. E podes ver o mundo pelos olhos de outras pessoas. Ver o que sentiram. O que disseram. Mas aqui nunca vais poder estar presente, serás invísivel. Podes ver a alegria que deste. A dor que causaste. Mas nunca poderás interferir. 

Ténis De Luxo - Exemplo


Os Power Suits Na Televisão Americana

Foi a meio da tarde que tudo começou. Começou, como muitas vezes, com um mail. Aquele mail em que paramos para ler a pensar: porque é que vocês usam fato? Pois, porquê?
 
O meu pai raramente usava fato. Um Blazer e uma camisa. Mas na altura não pensava nisso. Nos filmes os advogados e os executivos usavam fato. Quando fui para a faculdade os meus professores usavam fato. E aí percebi que estava condenado a usar fato. Hoje, passados anos, um amigo meu diz que adorava usar fato. Então porque simplesmente não usa? E nós, porque é que simplesmente continuamos a usar?
 
E por nós entenda-se bancários, advogados e profissões que tal. O que torna um fato um farda. Afinal, são palavras que começam com a mesma letra.
 
O site Mr Porter lança de tempos a tempos vídeos sobre a importância do fato. Mas a razão continua a ser porquê?
 
Entendeu-se que apenas com um fato se está apresentável. Bem vestido. Mas só? Mad Men veio ajudar, dizendo que um simples fato cinzento pode ser cool. Claro, se formos Don Draper com o cabelo impecavelmente penteado.
 
Mas porquê?
 
Porque uma farda é uma farda. Todos somos iguais. Mas com os fatos também. Errado. Há fatos e fatos. Este é a premissa inicial.
 
Um bancário quer ser importante. Ser poderoso. Um advogado também. Ninguém confia o seu dinheiro a um tipo dentro de um fato de flanela no verão dois números acima. Ninguém quer ser representado por um advogado com um fato de linho uber justo.
 
Um fato são umas calças e um blazer. Um Power Suit são umas calças e um Blazer com personalidade. Cheio de pequeninos detalhes. 
 
As séries são isso mesmo. Montras para este pensamento intrinseco e enraizado. Na série Suits (apropriado), Jessica, Rachel e Donna todas bem vestida. Mulheres com uma imagem forte. De certo poder. Nenhuma mostra pele a mais. Mas a roupa está lá para exproplar aquela consciência de superioridade (poderíamos falar de que Rachel usa normalmente tons mais claros e neutros porque afinal, numa sociedade de advogados, é apenas a Paralegal). E eles? Têm de estar à altura. Têm de ser os fatos para o figurino. Têm de ser e parecer uma imagem forte. Harvey o tubarão maior - será King Bee se a expressão existisse - clássico. Adequado. Os tamanhos certos. Mike o aprendiz de nós das gravatas mais curto. Mas ambos sóbrios. E Lit? Harvey wannabe, mas copiado na exacta medida. Conhece o tamanho dos seus fatos, porque se conhece a si mesmo. 
 
Power suits. Sempre me fascinou a expressão. Julgamos os outros nos primeiros 2 segundos. É um facto. Uns tentam contrariar, outros apenas reconhecem esta realidade.  

terça-feira, 17 de setembro de 2013

Viver E Escrever Em Brooklyn

Foi em miúdo que vi o filme Viver e Morrer em Los Angeles. Willem Defoe aparecia. Bem antes dos tempos de Duende Verde de Homem Aranha. Bem antes de aparecer nos filmes de Lars Von Trier.
 
E hoje voltei a lembrar-me do título do filme.
 
A Brooklyn Mag enumera um conjunto de livros em que o pano de fundo é Brooklyn. Outrora cidade, agora "bairro". Mas sempre muito longe do pano de glamour que estava na outra margem de Brooklyn Bridge. Brooklyn tinha de ser o lugar ideal de Selby. Tinha de ser onde Henry Miller iria aterrar depois de deixar Paris.
 
Estava sentado numa mesa de café há uns meses. Um café com nome de inspiração francesa. É um café pequeno com luzes avermelhadas e alaranjadas e onde se ouve música jazz. Há poucas mesas e poucos lugares sentados. Discutia com alguns amigos a importância do lugar. Há quem não faça referência se não for importante. Há quem subtilmente indique onde se passa a acção. Há quem despreze o lugar. E depois existo eu.
 
Talvez quem leia pense que o café é em Lisboa. Escondido no Bairro. Ou numa qualquer outra colina da cidade de Lisboa. Mas não.
 
É numa cidade portuária, como um dia foi Brooklyn. Fica escondido num bairro perto do rio. Onde pescadores têm casas pequenas. Onde se arranja o peixe durante o dia ainda na rua. Onde as ruas são pequenas e dificilmente passam dois homens lado a lado. Não muito perto prostitutas atacam a noite e escondem-se da madrugada. Mas o jazz que sai do café continua a ouvir-se.
 
Talvez não seja sempre muito importante dizer onde é. Mas pode-se sempre tentar adivinhar.
 

No Último Dia Fui Ao Ginásio E Fiz Um Bolo

Tinha em mente uma coisa. Acabou por ser uma outra. O que já não me devia surpreender. Acordei cedo decidido a tomar um pequeno almoço substancial, foi assim que o chamei.  Comi ovos mexidos e um batido com banana e iogurte grego. Arrumei dez camisas num saco e percorri a extensão da minha casa à lavandaria. Entretanto tinha tirado 1500 fotografias ao The Black Cat. Porque não o vi durante uma semana. E ele deita-se. Rebola-se. Salta. Come. Empoleira-se na janela. E eu acho piada.

Sai de casa.

Volto atrás, esqueci-me do saco do ginásio, o segundo item da minha to do list.

Voltei a sair de casa.

Entrei no ginásio.


Enviaram-me, há largos meses, um mail pelo Facebook. Vê lá o que este tipo é capaz. E foi assim que começou o meu interesse por crossfit. Levantar pesos no ginásio enquanto se olha para o espelho parece-me deveras aborrecido. E demasiado auto-centrado.

Escolhi ontem a rotina do 7. Porque ontem era 7 anos. Hoje é 7 anos e um dia. E amanhã será 7 anos e dois dias. E perco-me na contagem. Poderia falar em lugares-comuns. Respeito. Compreensão. Carinho. Amizade. Cedências. Tudo é verdade. Tudo é mentira. Não existem relações perfeitas. E todas nos parecem estranhas aos nossos olhos menos a nossa própria. E mesmo essa tem dias. Existem regras tácitas e não faladas consubstanciadas pelo tempo e pelo costume. Nenhuma semana, mês ou ano é mais importante que um simples dia. Porque não existe semana, mês ou ano que não seja um aglomerado de dias. Por isso todos os dias valem. Mesmo quando não há sorrisos. Não há beijos. E há gritos. E amuos. E toda uma treta de merdas que nos fazem questionar. Nenhuma relação resiste sem que seja questionada. Nenhuma relação resiste se não houver tentação. O bom só se conhece se soubermos que existe o mau. É como a vida. Uma relação é uma vida e esperamos e lutamos para que ela acompanhe a vida.

Cheguei a casa. Tinha a tarde para mim. E decido fazer um bolo. Recebo um telefonema que me pergunta o que estou a fazer. Não digo e não respondo. No final, se tudo falhar, There is cake!

A Útima Semana - Exemplos







domingo, 15 de setembro de 2013

À Saída

Sei que a Fnac não é a melhor livraria. Mas eu gosto. Porque também tem filmed, porque também tem os gadgets. E gosto de passear entre os corredores. Como na Barnes & Noble, onde perdi uma tarde inteira. De corredor em corredor. De livro em livro. Entro de mãos nos bolsos saio com mais um livro. O normal. Por vezes saio com mais.  Em raros dias volto a sair com mãos nos bolsos. No fundo tem uma atmosfera de desfrutar e de calma.

No outro dia chovia. Em Setembro e chovia. E decidi ir a uma fnac. Passear entre os tais corredores. Sai embrenhado nos livros que vi e queria e não  trouxe. Embrenhado nos filmes que vi e queria e não trouxe. Cruzei-me com um tipo alto e cool. Com um caderno debaixo do braço e óculos escuros e uma farta e cuidada barba.

Chego a casa e abro o excel. Decido fazer um lista de todos os livros que já li. Não os que tenho. Mas os que já li. Depois desses vou ver os que já tenho. Depois ver os que tenho de comprar, se gostei. Depois vou ver os que quero comprar. E depois os que quero ler. E depois...

sábado, 14 de setembro de 2013

A História Do Meu Teclado*

Tinha 15 anos quando mudei pela terceira vez de escola. Muita coisa se pode reconduzir a essa decisão de mudar de escola. Foi nesse ano que descobri muita coisa. Que li muita coisa que me viria a influenciar. O ano em que a vi pela primeira vez. Mas nesse ano não me apercebi de nada. Era Setembro e tinha o meu horário na mão. Cheguei a casa e mostrei aos meus pais. E eles perguntaram quantos do meus colegas estavam na minha turma. Nenhum! Foi o que respondi. Queres mudar de escola? O que parece agora, com esta distância, uma pergunta e um momento supérfluo, foi na realidade uma coisa que estava a ser adiada há alguns anos. Isto, no fundo, mostra como a gosta de água, ou a ultima ratio, é sempre uma coisinha pequenina. Sem significado.

Dois dias tinha um novo horário e estava a entrar na nova escola.

Não conhecia praticamente ninguém. Um ou outro de vista e alguns amigos que tinham a sua turma. O seu grupo de amigos.

Foi começar tudo de novo.

Mas o importante é que naquele momento posso dividir o Eu em o físico e o, à falta de melhor definição, metafísico.

O físico começou a utilizar calças largas. Ténis enormes. T-shirts dois números acima. Ouvia punk rock na escola ouvia The Smiths em casa. Utilizava um chapéu dos New Yorkers. Andava com o skate para todo o lado. Lia a Trasher.

O metafísico normalmente aparecia em casa. A par dos The Smiths lia Tom Wolf, Paul Auster, Eça antes do tempo. E escrevia num caderno preto. Mas nesse ano tive o meu primeiro computador e o teclado apareceu pela primeira vez como o portal para o meu Eu metafísico. Que veio até aqui aos dias de hoje.

Mas e o Eu físico? Gostava de fazer a sua evolução. Como um Eu separado. Os antigos gregos diziam que somos corpo e alma. Desde sempre somos uma dualidade.

O meu Eu físico lutou para ser aceite naquela nova escola. fazer amigos. Conhcer miúdas. Ser um dos melhores a jogar à bola. Como qualquer um. Todos na escola fomos e somos escrutínio de todos os outros. Os nossos Eus metafísicos são escrutínio dos sonhos. Desejos. Ansiedades. Medos.






*titulo fortemente inpirado num dos mais bonitos livros que tive a felicidade e colocar os meus olhos.  Mas, como quase todos os livros que me causaram uma das melhores impressões que senti, não faz parte da minha biblioteca. Uma biblioteca que é construída sem rei nem Roque. O que quero dizer que é construída sem uma qualquer linha orientadora. 

quinta-feira, 12 de setembro de 2013

Fonte De Eterna Juventude

Ele desceu a costa. Trouxe a sua prancha. O seu apetite devorador. A sua energia inesgotável. E trouxe a sua namorada. Uma miúda que como ele magra e bonita. De manhã têm boa cara. Deitam-se na areia e apanham sol despreocupados. A pele é dourada. Ele apanha 4 em 5 ondas. À noite tem paciência e vontade de ir às festas na praia. Tem sempre um sorriso. Como ela. Dão 1000 beijos. De dia e de noite. Eles nunca vêem problemas. Ao fim da tarde ela senta-se no passeio a comer uma maçã enquanto ele desce a rua de longboard a ri-se. Nunca cai. Apesar dos ameaços. Ele pergunta onde há um barbeiro aqui perto, quer cortar o cabelo como o Alex Turner do Arctic Monkeys. Ela pinta as unhas debaixo do alpendre sob o sol da manhã. Estão sempre a tirar selfies um ao outro. E depois fazem like e comentam. Pedem-me que lhes tire fotografias com a Nikon, ficam mais fixes, dizem.

Eu gosto deles.

A Noite da Moda Democrática

Vou estar a largos quilómetros de distância. Tem sempre sido assim. Mas depois, já estive na FNO em Paris e na Fashion Week de Londres. Tudo coincidências. Ainda assim estive lá. Passeei entre It's disto e daquilo. E é giro. Minto, se disser o contrario. As pessoas são bonitas e bem arranjadas. Elas têm pernas compridas de dois metros pontuadas com sapatos de salto alto. Eles têm pinta. Não interessa muita coisa, apenas se se tem ou nao. O quê? Sei lá, é ver e aperceber. Sim, claro, há exageros. Oh se há. Se há lá, cá também. Mas nunca vi.

E em Nova Iorque, como é? Não sei. Mas sinto-me devassado. Sinto-me vilanpeado. O site Foir Pins mostra-me as fotos da fashion week de lá. E porra, foi atingido no meu âmago. Por isto. Os ténis são o meu calçado. T-shirts. Camisas lisas. Jeans. Chapéus. Tudo o que é streetwear. Mas com uma melhor propensão para o tamanho, corte e essas coisas. Mas isso era a minha farda há imensos anos. Depois cresci. Mas mantive um pé naquilo que é o ADN de uma certa formação.

Bem, é a democratização.

E é isso que a FNO mostra. Todos têm coisas uns dos outros em nome de uma coisa chamada evolução do vestir. Ou de mentalidade. Ou de outras tretas. É como as tattoos. Dantes de meliantes. Agora nos braços de toda a gente.

E chegamos a esta pescadinha de rabo na boca. A FNO democratiza a moda e trá-la para a rua. Depois de ir buscar à rua o seu mais recente imaginário. You can take fashion from the street, but you can't take the street out of the fashion. Ou algo desse genero.



quarta-feira, 11 de setembro de 2013

Barba De Madrugada

Rebolava nos lençóis ontem de madrugada. Entretanto tinha ido à rua dar uma volta quando todos dormiam. Vi o céu como não o vejo em Lisboa. Cheirei o que à noite cheira o campo quando a praia está perto. Ouvia o barulho das ondas. Ouvia o pouco vento nas árvores. E pensei, espero que amanhã as ondas apareçam. Isto enquanto ouvia a nova de Arcade Fire.

E agora rebolava nos lençóis. Saltitava entre canais da Meo. Finalmente, às duas, começa o jogo de Portugal com o Brasil. E o sono já era um bocado. E a primeira coisa que penso quando apresentam os jogadores é que o Meireles tem uma barba fixe. Como gostava de deixar crescer a minha assim. Mas, afinal, o que me impede? A merda da barba é minha ou não?

Pelo menos duas vezes por ano penso em deixar crescer. É menos trabalho. E talvez a minha barba até se torne fixe. Mas depois há a comichão. Uma vez deixei crescer 2 semanas. Nas férias nunca é boa opção. Podemos arrepender-nos e depois temos a cara branca. Vi isso acontecer uma vez no liceu com um tipo que usava patilhas. Assim, daquelas mesmo grandes e farfalhudas.

Deixei-me dormir e nao vi o jogo completo.

Acordei e continuava a não haver ondas.

Quão grande é uma barba aceitável? A barba é o cabelo dos tipos. Elas têm mil cortes e penteados tendência. Os tipos têm barba. Ou a ausência dela, também. Este ano elas têm as californianos. Os tipos têm a barba médio cumprimento.

Comprei o jornal no café da aldeia. Têm sempre um jornal para mim. Ainda que vá beber o café perto do meio dia quando começam a servir as primeiras  meias doses do prato do dia. Vem o Obama na capa. afinal, é uma data importante.

Vou ter saudades disto quando voltar para a cidade. Talvez até deixe crescer a barba.

terça-feira, 10 de setembro de 2013

Luzes, Acção, Silêncio Que Estamos Na Mais Bela Praia... Merda!

É o que dizem algumas revistas. Espanholas, pelos menos. E isso explica os tipos de câmera e microfone que andavam de calças e sapatos pela areia. O que era uma treta. Queria ler em paz. Mergulhar em paz. E não queria estar num angulo da merda da câmera. Domínio publico, bem sei. Afinal, sou jurista. Mas quando elas tapam as mamas e eles encolhem as barrigas deviam ter percebido alguma coisa.

Coloquei os wayfarer. Aumentei o volume dos auscultadores e fiz play no iPhone. O novo de Arctic Monkeys. Continuei com Henry Miller e o Trópico de Câncer.

Uns capítulos mas à frente pousei o livro. Apeteceu-me comer qualquer coisa. E enquanto comia as câmeras estavam lá em cima. Merda para as notícias. O ano passado a praia em Setembro tinha 20 pessoas. Agora são 40. Depois pensei, isto talvez seja as filmagens de um filme ou serie. Não eram, mas a minha imaginação nunca precisa de muito. Afinal, estava a ler Henry Miller. E bem poderia ser  a versão do Sexo E A Cidade versão para tipos. Tipos, tipos. E eu sei lá o que são tipos, tipos sem cair em preconceito. Mas isso não interessa. Ontem à noite rebolava nos lençóis e fazia zaping sem sono. E mais uma reposição da Carrie e amigas. Sapatos, Nova Iorque e gajos. Era uns dos primeiros episódios. Logo havia bancários de investimento e traders. Os elegíveis, que todas elas queriam. Mais os sapatos de centenas de dólares e a eterna questão: casa na City ou nos subúrbios? Por isso, a versão para tipos, tipos.

Como poderia ser mais diferente, hei, Henry Miller?

"Merda, se ela fosse dez anos mais nova"
"O que faria com uma cabra rica nas mãos? Não sei disparar. Tenho medo de espingardas e essas coisas"
(In Trópico de câncer)

Para elas a serie tem glamour. E eu percebo, é uma boa serie. Para tipos, tipos, tem... Faço lá ideia. Mas tem miúdas, mais novas. Tem de ter miúdas mais novas. Isso é o que diria a mulher que está à beira mar e acabou de dar uma chapada no ombro do tipo com quem está porque olhou para a miúda de mamas ao léu e asa delta - alguém a devia avisar que hoje há câmeras na praia.

Mas porque tem de haver miúdas mais novas por culta delas. E tudo começou no quinto ano. Quando começaram a olhar para os tipos mais velhos. Aqueles que tinham 16 anos e tinham DT's e Aceleras. E o que deixava aos outros? As mais novas. Anos depois a tendência mantém-se. Por isso, a serie para tipos, tipos tem miúdas mais novas. E sabemos porquê. Quando começou a tara à volta dos sapatos? Pois é...

Volto para Henry Miller. São quatro da tarde e a praia está deserta. Agora sim. O sol esconde-se nas falésias e as pessoas foram-se. Não há mais câmeras.

segunda-feira, 9 de setembro de 2013

Henry Miller, Praia, Nova Iorque E Um Foda-se

Estava a ler o Trópico de Câncer na praia. Que nesta altura está com lotação reduzida. Alguns turistas tardios que procuram preços mais apetecíveis. São jovens. Elas fazem topless. Eles exibem o esforço do ginásio. E eu leio. Ela tira fotografias. Eu nado e faço snorkeling. Ela mergulha e torna a pele mais dourada. Henry Miller, ou o narrador, a determinada altura diz que prefere Paris a Nova Iorque. De onde ele é. Isto depois de ter narrado as suas aventuras com prostitutas com dente de ouro e que são 100% dedicadas à profissão. Levanto os olhos e penso em perguntar-lhe qual é a cidade que ela prefere. Mas já sei a resposta. Como ela sabe a minha. Adoro Paris, mas morro por Nova Iorque. Henry Miller não concorda comigo. Paris é liberdade. Nova Iorque é uma prisão de prédios brancos e altos. Eu diria que Paris é beleza e Nova Iorque é poder. Paris é sensualidade. Nova Iorque é sexualidade. Cada um fode como quer, diria Henry Miller.

No meu primeiro trabalho veio um estagiário de Manhattan. Tinha a minha idade. Ficou a trabalhar comigo quando cá esteve. Eu alimentei a ideia de ir lá depois. Um género de intercâmbio. Mudei de emprego antes disso acontecer. O que foi bom, porque fui lá depois com ela. E não escolheria outra companhia. Teve paciência para me ouvir falar de como ali é um cenário daquele escritor. E aquele de outro. E mais informações de merda que eu tinha. Mas, o tal estagiário estava cá. Trabalhava comigo durante o dia e ia-se enfiar metade das vezes no hotel. Mas depois disse que ele tinha de sair e comecei a convidar o tipo. O tipo tinha bom ar. Era alto e louro. Uma confiança como só os nova iorquinos têm. E tinha também uns bons dentes. Foi com essa conjugação que dormiu com três advogadas e uma secretária lá do escritório. E eram bem boas. Fomos ao Lux. Ao bairro. Jantámos no Altis. Bebemos copos no Bairro Alto Hotel. Jantámos no Príncipe Real. Conheceu mais miúdas que depois levava para o hotel, o sacana. Consegui-as com promessas de um pequeno almoço na cama que não tinha de preparar. Sempre que combinávamos alguma coisa ele dizia que tinha de mudar de camisa. E era isso mesmo que ele fazia. Mudava de camisa. Uma boa camisa. E aparecia de fato mas sem gravata e a tal boa camisa. Eu ia-me mudar para uma t-shirt lisa e calçar os meus nike. E ele, na primeira vez, perguntou-me se era assim que nós saiamos. A determinada altura, um tipo tem de andar de fato ou, no mínimo, de camisa. É cool, dizia ele. Eu não soube o que responder a não ser que sim. E foi assim que aprendi a noção de Power Suit. E porque nos filmes eles saem sempre com camisas. 

Quando terminei hoje um capitulo levantei-me. Ia dar mais um mergulho. Ela continuava a tirar fotografias. A fazer testes. Tive de passar por um casal que davam beijos mesmo à beira da água. Ela de mamas ao léu e ele a entesar os peitorais. Um ritual de acasalamento que terá o corolário mais logo numa cama de hotel. Quando voltei à toalha seco as mãos e vou ver os mails no iPhone. Um da fnac. Nao fui escolhido para o concurso novos talentos de 2013. Henry Miller, este é para ti: Foda-se!

Em Paris

Vivemos num quarto andar por cima do Place Des Vosges. Todos os dias saio para comprar croissants e trago Camille, a pequena Bulldog, a passear. O The Black Cat fica lá em cima na ombreira da janela saída do telhado a ver. À tarde vou ao Jardim Do Luxemburgo ler. É o meu jardim preferido. Alguns velhotes fazem Tai Chi concentrados nos movimentos. E eu ali fico, naquelas cadeiras de metal verde a ler. E por vezes tiro alguma notas no que quero tentar escrever. Foi ali que conheci  a Sofia Coppola. Estava sentada numa cadeira verde a ler algo enquanto as filhas brincavam livres. Camille saiu disparada para brincar com elas. Tive de correr atras. Mas elas gostaram de Camille e Camille gostou delas. Sofia apresentou-se. É simpática e tem uma voz calma. Thomas chegou pouco depois. Ficamos os três à conversa. Ambos temos um certo amor por Paris. Mas eles ficaram com um certo ar de perplexidade quando disse que o meu amor bate mais porte por Nova Iorque. Como odes? Perguntou-me Sofia. Começou a noitecer e Thomas convidou-nos para uma soiré dentro de dois dias. Enviou-me uma SMS com a morada. Chamei Camille e voltei para casa. 

Gosto de andar a pé. Porque gosto de passar pelo meio dos jardins. Camille por vezes cansa-se e tenho-a de levar ao colo. Passei pelo meio do Jardim dos Tuileries. Camille voltou a querer ir para o chão. Quando cheguei preparei um chá e vim para a janela ao pé do The Black Cat. Quando ela chegou perguntou se tinha escrito alguma coisa. Umas linhas, respondi. Depois de amanhã vamos a casa da Sofia Coppola, disse. Ah? 

quinta-feira, 5 de setembro de 2013

Para A Grécia Com Amor

Há um ano recebi um mail: qual o teu destino de férias preferido? Percebi que tinha rasteira. Do outro lado estavam à espera que dissesse Nova Iorque. E eu próprio pensei nessa possibilidade. Mas por um mero segundo. Escolhi a Grécia. Escolhi as Ilhas Gregas.
 
Quando respondi ficaram surpreendidos. Mas consegui justificar. Nova Iorque seria onde escolheria viver. Férias, seria a Grécia. Sem qualquer dúvida. E é muito fácil justificar. É lá ir e perceber. Principalmente ir às ilhas. Onde Mykonos e Santorini são, à cabeça, as minhas preferidas.
 
Ambas são bastante pequenas. Em ambas o cenário é quase de que o mundo ficou num outro lugar qualquer. As águas são quentes. Sol e mar juntam-se e fazem barreira com o resto. As casas são todas pequenas e brancas. E isso mostram-nos as fotografias. A comida, bem a comida. Nada é demasiado elaborado. Tudo sabe bem. Tudo satisfaz a cada refeição. Aluguei um meio de transporte em cada ilha. E percorri aquilo tudo. As praias atrás de um monte. A praia onde toda a gente vai - o que é redutor porque as ilhas são pequenas. Umas torres bizantinas estendem-se acima de algumas casas. Aquilo tem história. Aquelas pequenas ilhas têm um passado que não é fácil de ignorar. E como tudo que tem mais impacto, é quando esse passado é passado suave, suave...
 
As ilhas Gregas podem ser o fim do mundo. Porque é onde está toda a gente do mundo. Perdi conta às nacionalidades. Aos sotaques. E perdi conta à ausência de regras convencionais. O bancário que se passeia de alpercatas e tronco nu com um relógio prateado no pulso. Elas andam pela praia com um lenço na cabeça e a parte de baixo do bikini com bronzes saudáveis. Cá são executivas. São curadoras. Calções curtos, pare eles e para elas, estão em todo o lado. E as vespas cruzam as estradas que ligam praias a praias.
 
Conheci o taxista mais simpático de sempre. Kosta, é o maior.
Conheci os gays mais fixes de sempre, Jean e Pierre.
Conheci a miúda que acordava toda a gente quando tinha aventuras nocturnas.
Conheci a dona do Hotel que largou tudo para viver ali.
Conheci a praia mais bonita de sempre.
Conheci um escritor radicado em Santorini
Conheci um puto que queria ser jogador de futebol.
 
Não sei porque nunca escrevi uma história com esta gente. 
 

Ryan E Eva

É assim que começa as deambulações de uma quinta-feira de Setembro. Rayn e Eva são os novos Steve e Ali. Os óculos que Rayn usa até são da marca que Steve popularizou. E isto porque vi a imagem no blog do Mexia. Mas o que quero é que comece de novo o Governo Sombra.
 
Eu não sou Ryan. Nem sou Steve.
 
Hoje de manhã bebia café no Nicola ainda não eram oito. Tive de esperar que a máquina aquecesse e tudo. O menino pode-se sentar que depois levo o cafézinho, disseram-me. Eu agradeci com o meu melhor sorriso. Pelo menos o que era possível àquela hora.
 
Quando me sentei comecei a ouvir um poscast que tinha há algum tempo em lista de espera. Ao meu lado um senhora comia uma torrada. Uma torrada deliciosa pelo aspecto. Ela parecia uma versão actual, quanto for possível, de Maria Callas. Escondida por detrás de uns óculos pretos enormes. Mas era elegante. E eu comecei a ouvir o podcast. Era uma entrevista da valter hugo mãe. Escrevo com letra pequena porque ele gosta mais, mas apressa-se a dizer que não se importa por ali além de ver escrito com maiúsculas. E é aqui que a coisa é interessante.
 
Entretanto o meu café chegou. Volto a agradecer com o meu melhor sorriso. A senhora ao meu lado pede também um. Já comeu a torrada toda.
 
Ele, valter hugo, escreve com minúsculas porque tem um efeito de tornar o texto mais limpo. E porque esteticamente acha mais bonito. Será sempre assim? pergunta o entrevistador. Não quero fazer de mim um dogma e dizer que sim, não sei, responde.
 
Levo a chávena ao balcão. Pago o meu café e o relógio diz-me que ainda é cedo. Vou dar uma volta pela a baixa antes de subir para o escritório.
 
Quando comecei o blog era mais diário. Tinha o título com a data em que escrevia. Depois comecei a escrever títulos com frases de livros, filmes, músicas. E depois ele teve parado durante anos. Perdi o gosto por isto. Até porque tentava escrever com piada. Como era mau nisso. Não tinha piada, era apenas embaraçoso. Depois, voltei.
 
Cheguei ao Terreiro do Paço e fui ao Cais das Colunas. Lisboa só tem piada depois de uma vez, pelo menos, se ver o dia começar aqui. Li isso num livro e acho que existe alguma verdade. Começar e acabar. Mas acabar já tinha visto.
 
Quando voltei a escrever o Ego veio depois do E. Que veio de Eric, do Entourage. E ainda hoje não sei explicar porque é uma das minhas séries preferidas. Mas mudou a forma de escrita. Alías, tem vindo a mudar. E como encaro isto. Mudo sempre. Recuso também a ser um dogma. Agora, quase nem coloco imagens.
 
Vou para o escritório. Subo a Rua Nova do Almada. Parece que já andei quilómetros esta manhã.
 
E agora, com isto assim, tive uma proposta de ser editado. Se se pode chamar uma proposta. Um dos meus contos foi cativante o suficiente para ficar em papel em vez de ficar na internet. O que é engraçado querer se publicado em papel. Afinal é um meio mais perecível que a web. mas quero. mas não aceitei a proposta. Não era a certa.
 
Quando cheguei ao escritório vi que o Mexia tinha voltado. mas eu gostava era mesmo do Governo Sombra. Mas por agora fico-me com o Mexia. Onde tem aquela imagem. Que me levou para Steve. E que me levou para tudo o que escrevi em cima.
 

Ela Despe-se Em Palco



Chloe nasceu em Paris. O pai era português mas a mãe francesa. Vieram para para cá quando ela tinha 15 anos. Não queria vir. Paris era o centro do mundo. Não queria deixar aquilo. Durante semanas não falava com ninguém cá. Começou a pintar os olhos de negro e a deixar o cabelo para a frente dos olhos.  Cá, o casamento dos pais durou pouco tempo. Divorciaram-se. Ficou com o pai. A mãe voltou para Paris. Mas ela culpava-a por abandonar o pai e não quis voltar. Quando teve a oportunidade de voltar para a sua paris recusou. Como é mesmo aquele ditado, por vezes as coisas que desejamos acontecem mesmo, não é? Mas ela não quis o que sempre desejou. E culpou ainda mais a mãe por isso. O pai ficou a cargo dela então com 17 anos. Não sabia como lidar com ela. A forma que encontrou foi dar-lhe tudo o que podia. Tudo o que Chloe queria e o pai pudesse, ela tinha. Quando fez 18 anos viu pela primeira vez Arizona Dream. Disse ao pai que ia desistir da escola e queria ir aprender teatro. Não sabe porque aquele filme a marcou dessa forma. Ou se foi apenas um mero pretexto. Ao início o seu sotaque tirou-lhe algumas oportunidades. Mas naquela altura percebeu o poder do seu corpo alto e magro. Não precisava de se dar. Precisava de se insuar. Precisava de criar o sonho de que era possível terem-lhe. Com tempo tentou levar essa forma para o palco. E isso aliado ao seu sotaque tornou-a exótica. E as oportunidades apareceram. Por essa altura regressou a Paris de férias. Só viu a mãe uma vez. Não a consegue perdoar. Mas teve a certeza que Paris é a sua casa. Um dia vai voltar de vez. Quando lhe ofereceram o papel em que se tinha de despir no início da peça e assim ficar até ao fim não se incomodou. Há muito que se tinha habituado ao seu corpo. E em palco só tinha de olhar em frente. E olhou e viu um rosto que olhava para ela. Era eu. E ficou curiosa.