Desço
a Rua Augusta atrás dela. Traz um vestido creme com um corte a fazer lembrar
uma petite française. Leva o cabelo
preto apanhado. Desce a rua indiferente aos meus olhares e a de todos com quem
ela se cruza. Quando olha para uma montra disfarço como posso. Mãos nos bolsos
e assobio para o ar. Demoro a minha atenção nas pedras da calçada. Ela volta a
caminhar. Devagar, com uns passinhos tímidos. Caminha como quem não tem pressa.
Ou como quem não tem destino. Passeia em Lisboa que brilha hoje. Volta a olhar
para uma montra. Volto a disfarçar. Ela olha para trás e por momentos os nossos
olhos cruzam-se. Sou salvo por um braço que me puxa para uma arcada. “É a
menina Ofélia!”, diz-me o dono do braço. Um tipo magrinho com um bigode
aprumadinho. Que me estende a mão de seguida: “ Fernando Pessoa, ao seu
dispor”. Agradeço e volto a olhar para a rua. Ofélia lá vai nos seus passinhos
pequeninos. “É uma visão, não concorda?”, pergunta-me o tipo magrinho. “É
verdade”, concordo. Desisto de ir no seu encalce. Acendo um cigarro. “O Senhor
não me quer dispensar um cigarro, se fizer o favor?”. Estendo-lhe o maço e
levanto-lhe o isqueiro à altura do rosto. “Muito obrigado”, diz-me e eu faço o
gesto com as mãos de que não tem qualquer importância. “De onde a conhece, a
menina Ofélia?”, pergunto mais para fazer conversa do que por genuíno
interesse. Depois de duas passas no cigarro, pergunta-me se não quero ouvir a
história sobre um café e um copo de um vinho tinto servido mesmo como deve ser.
Sem planos aceito e sigo-o por ruas de Lisboa que desconhecia até àquele dia.
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