domingo, 28 de abril de 2013

Emprestei um livro ao velhinho do meu bairro

No outro dia foram lá a casa fazer-me uma pequena reparação. Fui a uma dessas lojas do meu bairro perguntar quando lá podiam ir. Quando o senhor chegou e ao passar pelo armário dos livros disse que eram muitos livros. E a coisa ficou por ali. No dia seguinte fui ao café do bairro. Estava lá o mesmo velhinho de sempre, sentado na mesa de sempre. Com a sua barba branca enorme. Quando me ia embora ele chamou-me. Pediu-me para sentar. Achei estranho mas sentei-me. Disse-me o seu nome e que lhe tinham contado que eu tinha muitos livros. Eu disse que não eram muitos. Mas ele disse que deviam ser os suficientes para a minha idade. Menos ele, que aos 83 não tinha quase livros nenhuns. E pediu-me um emprestado. Um daqueles, um romance, com histórias cheias. Disse que sim, claro. Nesse dia à noite percorri o armário. Escolhi um de Milan Kundera, Insustentável Leveza do Ser. No dia seguinte fui ao mesmo café e emprestei-lhe o livro. Depois desse emprestei-lhe Travessuras da Menina Má de Mário Vargas Llosa, O Museu da Inocência de Orhan Pamuk e no Fio da Navalha de Somerset Maugham. Ele lia-os a uma velocidade impressionante. Quando lhe emprestei o último perguntou-me se podia falar um bocadinho comigo. Claro, disse e sentei-me. Pedi uma garrafa de água com gás. Ele perguntou-me o que é que aqueles autores, que tinham inventado aquelas histórias, tinham em comum. Essa era difícil. Ele insiste, porque é que tinha escolhido aqueles para lhe emprestar? Penso durante um bocado em silêncio. Bem, digo, todos eles tinham uma formação para o impacto do belo. Ele olhou-me com os olhos cerrados e os braços cruzados à espera que continuasse. Pamuk, por exemplo, digo eu, estudou arquitetura, Kundera estética e literatura, Somerset acabou por estudar medicina, Só Llosa tirou direito. Como tu, não é? Perguntou-me o velho. Sim, como eu. E porque escolhestes esses?, pergunta-me. Não soube responder. E pergunto-lhe porque quis ler romances aos 83 anos. Ele diz que nunca tinha lido. E não queria morrer sem saber o que era. Porque queria saber se a história que viveu com a sua companheira de vida tinha equivalência nos livros. Há 4 anos que estava sozinho. E tinha saudades dela. E achava que ao ler histórias a poderia ter de volta. Porque ela lia muito. Todas as semanas ia à biblioteca buscar um livro novo. E o que achou das histórias, perguntei-lhe. São bonitas. Gostei, diz ele. Mas a que eu vivi é melhor. Não a queres escrever tu?


2 comentários:

Margarida disse...

Cheira-me a desafio! E espero, sinceramente, chegar aos 83 e ter vivido uma história bonita daquelas que não se encontram nos livros! :)

E disse...

Um desafio que vamos a ver se tem fim