segunda-feira, 15 de abril de 2013

Estranhos hábitos

Quando decido que quero ler um livro não o começo logo a ler. Vejo e aprecio a capa. Ele anda comido da sala para o quarto. Leio a contracapa. Lei algumas frases para o meio. Pesquiso sobre ele. E na minha cabeça forma-se uma história. Para o bem e para o mal. Faz parte da minha experiência de ler um livro. E Foi assim com Kafka à beira-mar.

Resisti ao livro tanto quanto pude. Ele estava lá em casa. Era ele que faltava. Mas eu andei a fazer outras experiências. Steinbeck passou à frente. Capote também. E mais uns. Mas é bom, diziam-me muitas vezes. Numa noite de insónias levantei-me. Passeie-me pelo corredor escuro do quarto para a cozinha onde fiz um cappuccino. Da cozinha para a sala passei pela estante. E tirei três livros: Siddhartha, Manhattan Transfer e o Kafka.

Sentei-me no sofá. O Gato Preto veio atrás de mim e encostou-se e voltou a dormir. Coloquei o livro na mesa de centro à minha frente. O que sabia sobre o livro? Que os animais falavam. Que há gatos. E que havias duas histórias paralelas. E era-me difícil abstrair de os animais a falarem. Além do nome. Não gosto do nome Kafka. Não sei porquê. E o livro andou comigo uns dias. Lia umas frases. Até que numa outra noite de insónias voltei a sentar-me no sofá e comecei a ler.

Kafka Tamura é a primeira personagem. A primeira história escrita na primeira pessoa. Nakata a segunda personagem. A segunda história escrita na terceira pessoa. E as duas vão convergir como num funil. As histórias são viagens. Em estranhas dimensões. Entre presente, passado, realidade e imaginação. Talvez um purgatório tornado floresta encantada. Hoshimo é uma outra personagem. Que me faz lembrar Sancho Panza que fica com demasiadas responsabilidades em mão. Não é o meu livro preferido de Murakami. Mas tem tudo o que faz dele um escritor do caraças. Ou um contador de histórias estupendo. Ou como as regras são subvertidas. Não existe limite para o que se pode contar na história. Ou como personagens podem ser criadas. Afinal o que tem em comum KFC, Johnny Walker, Kafka e a Segunda Guerra Mundial? Aparentemente nada. Ou que têm em comum a vida e a morte? Nada também, são apenas contrastes. Mas e se forem apenas uma evolução ou continuação? Mas Murakami vê em todos aqueles ingredientes uma história. Kafka à Beira-mar.



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