"A minha recordação mais antiga é o momento em que me senti
mais sozinha. Não foi quando o meu pai emigrou. Foi ainda antes. Estava na casa
dessa senhora. Era de tarde, depois de almoço. Ela ponha-nos a dormir todos na
sala. Estendia umas mantas e ficávamos ali a dormir umas horas a fazer a sesta.
Num desses dias estava fresco. Ela deixava as janelas abertas. A casa dela já
era fresquinha mas ela abri-as na mesma. E eu lembro-me de acordar. Estavam
todas as outras crianças a dormir. E a senhora não estava em lado nenhum.
Percorri a casa toda e não a vi. Não me recordo de ouvir o que quer que seja.
Mas julgo que seja a minha memória a construir aquilo que não se consegue
lembrar. Voltei para o meu lugar mas não consegui fechar os olhos. Sentia-me a
última pessoa no mundo. Sentia as outras crianças ali mas era como se fosse só
eu. Sozinha, tinha sido abandonada e os outros nunca mais iriam acordar. Tinha
medo só de fechar os olhos. Até que senti uma pequena mão no meu braço. Viro-me
e era ele. Faz o sinal do dedo à frente dos lábios para não fazer barulho e
disse-me que estava tudo bem. Eu relaxei e adormecia outra vez."
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