segunda-feira, 23 de setembro de 2013

A Recordação Mais Antiga


"A minha recordação mais antiga é o momento em que me senti mais sozinha. Não foi quando o meu pai emigrou. Foi ainda antes. Estava na casa dessa senhora. Era de tarde, depois de almoço. Ela ponha-nos a dormir todos na sala. Estendia umas mantas e ficávamos ali a dormir umas horas a fazer a sesta. Num desses dias estava fresco. Ela deixava as janelas abertas. A casa dela já era fresquinha mas ela abri-as na mesma. E eu lembro-me de acordar. Estavam todas as outras crianças a dormir. E a senhora não estava em lado nenhum. Percorri a casa toda e não a vi. Não me recordo de ouvir o que quer que seja. Mas julgo que seja a minha memória a construir aquilo que não se consegue lembrar. Voltei para o meu lugar mas não consegui fechar os olhos. Sentia-me a última pessoa no mundo. Sentia as outras crianças ali mas era como se fosse só eu. Sozinha, tinha sido abandonada e os outros nunca mais iriam acordar. Tinha medo só de fechar os olhos. Até que senti uma pequena mão no meu braço. Viro-me e era ele. Faz o sinal do dedo à frente dos lábios para não fazer barulho e disse-me que estava tudo bem. Eu relaxei e adormecia outra vez.

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