terça-feira, 10 de dezembro de 2013

Simplesmente, Desaparecer

Todos queremos respostas. Ser abandonados, porque sim, não é resposta suficiente. Talvez não consigamos aguentar a resposta. O deixarem-nos não é só para a dinâminca de ele e ela. Ele e ele. Ela e ela. É sempre o hipotecar o futuro a que aquele passado conduziria.

Existe um considerável número de pessoas que se vão embora. Simplesmente desaparecem. Deixam as chaves de casa e levam apenas o que têm vestido. Adeus, fica a ecoar no silêncio. Não há despedidas, não há reencontros. Há alguém que, simplesmente, desapareceu por livre vontade. Quem fica desespera. E espera em vão.

Porque se vão embora? Porque esquecem um passado? Tornam-se fantasmas e memórias em vida.

Há alguns anos, entrou pelo escritório onde estagiava, alguém desesperado. O filho tinha desaparecido. Fizemos as perguntas da praxe. Mas a todas as perguntas era a raiva e a dor que nos respondia. A Polícia já tinha sido alertada. Mas esbarrava na falta de evidências de alguma coisa fora do normal a não ser a ausência de uma pessoa. Ao lado daquela mãe estava uma jovem. Bonita de olhos inchados. Soube durante a conversa que era a namorada. Tinham planos para se juntarem. Talvez casar. O velho e edílico sonho de uma casinha com a cerca branca e um cão para passear ao final do dia. Um dia teriam um filho, quem sabe dois. Um casal.

Mas agora tudo não passava de conversas que estavam apenas numa parte distante do cérebro daquela jovem.

Ajudem-me, ajudem-nos!

Dizia a velha senhoa a cada conjunto de frases. E nós não sabíamos bem o que fazer naquele altura. Tentámos saber os contornos e os últimos momentos em que ele, o filho, estava presente ou em lugar identificado. Era terça-feira e estavam a preparar o jantar. Ele estava no quarto e tinha acabado de falar por telemóvel com a namorada

(ela, a jovem, confirma com um acenar de cabeça)

Ele entra na cozinha e apenas diz que vai lá abaixo - eles moravam num prédio com 15 andares. A mãe diz que as batatas estão a acabar de fritar, para não se demorar. Sim, mãe, só fumar um cigarro, e dá-lhe um beijo na testa. Como sempre fazia quando ia a algum lado. E nunca mais subiu. Quando as batatas já estavam frias a mãe vai ver se ele tinha levado o telemóvel para lhe ligar. Entrou no quarto e em cima da secretária estava o telemóvel ao lado do isqueiro e do maço de tabaco.

As mães nunca se enganam. Começou a chorar.

A carteira estava na mesa-de-cabeiceira. Passaram 3 dias. Nenhum dos cartões foi utilizado, o pai é segundo titular de todas as contas, conhecidas, e o dinheiro continua lá. Ela, a jovem, nunca recebeu outro telefonema. No último ela falou das próximas férias. E ele só respondeu, vamos ver. E foi só.

Simplesmente desparaceu.

Enquanto estive naquele escritório nunca soube de desenvolvimentos. Sei que os pais sempre mantiveram o dinheiro na conta. Ele um dia pode precisar. Por vezes, por altura dos anos dele, depositavam mais algum. Ele um dia vai poder querer voltar para casa.
 

8 comentários:

Carol disse...

Creepy! Dói só de ler..

E disse...

A realidade é sempre mais estranha que a ficção

Anónimo disse...

Adorei o seu texto, o modo como vc colocou as palavras.
Eu fui a que abandonou tudo, long ago... imagino o ar de espanto à época, os comentários dos parentes, e vem à minha mente uns versos de Cecília Meireles: "não perguntavam por mim, mas deram por minha falta, na trama da minha ausência, inventaram tela falsa...".
O curioso, E., é que tudo é dito por tanto tempo, eu sofria tão explicitamente. Na partida, escolhi o silêncio. Nunca voltei.

Kapu disse...

Carai E....isto é.....WOWWWWW!!!! Sempre me questionei o que pensarão essas pessoas a abandonar tudo, assim, sem sequer olhar para trás....confesso que, tendo algo ao que se "agarrar", não compreendo a decisão...

E disse...

Anônimo.
Não sei que dizer, obrigado, pelo comentário. E, aparentemente, ainda anda por ai. talvez haja também um tempo em que ache que seja tempo de voltar.

esses versos são muito bons.

E disse...

Kapu,

mas ja pensaste que ha tanta coragem no ir como de loucura

MAC disse...

Ir assim é quase como um suicídio...enches-te de coragem sem saber ao que vais...

E disse...

sim, de certa forma é um suicídio, um suicídio social (pelo menos aquela parte que se conhece).