domingo, 10 de fevereiro de 2013

Aquela cidade, Paris



                                                                  O Aeroporto
- Temos de ir buscar as malas. Detesto esta parte.
- As nossas nunca são as primeiras. Uma vez foram as últimas. Lembraste? Onde foi? Não me consigo recordar.
- Acho que foi em Amestardão. Também não me lembro muito bem. Mas isto irrita-me. Não podemos fazer nada. É tempo perdido. Paris tão perto e nós no aeroporto à espera das malas.
- Paris não vai fugir.
- Mas é tempo perdido. Onde queres ir primeiro? Quero ir a tantos sítio que não sei por onde começar. Bem, se calhar o melhor será começar pelo início. Vamos colocar as malas no hotel. Onde é o hotel mesmo?
- Fui ali ao balcão e podemos comprar dois bilhetes para a estação de Montparnasse. Daí apanhamos o metro, duas estações e estamos na zona do hotel. É numa rua perto.
- Olha, a tua mala. A minha é sempre a última. Raios.
- Já aí vem. Olha.
- É este o autocarro. Sim, acho que é. Pergunta lá, para confirmar.
- Sabes que não falo muito bem francês. Mas é este, sim.
- Já vistas as casas e os prédios? Parece mesmo Paris.
- Estamos em Paris.
- Sim, mas aquele ideal de Paris. Como o imaginava. E à medida que entramos na cidade parece que é isso que acontece. O que tinha imaginado materializa-se. Nas casas. Nas pessoas. As cores. Tudo é suave. Tudo é doce.
- Espera até chegarmos.
- Como é que não gostaste da primeira vez que vieste?
- Porque era miúdo. Porque não prestei muita atenção. Não sei… Não te consigo dizer, na realidade. Mas não gostei, é um facto.
- Não gostaste de nada? Olha, Já se vê a torre. Ergue-se para cima de tudo. É daqueles marcos. Habituámo-nos a ver em fotos, filmes, imagens, mas depois está aqui. Ali.
- Sim, não gostei. Mas não tinha vindo contigo. E já foi há tantos anos que não me lembro quase de nada. Lembro-me da torre e da catedral de Notre Dame. Pouco mais. É como vir pela primeira vez.
- Olha, vamos à torre, em primeiro lugar?
- Queres?
- Sim, quero.
- Então vamos.

                                                                      A torre
- Qual é a altura? Não te faz impressão? A força humana no seu engenho.
- Achas que é mais alta que o Empire?
- Porque tudo é uma comparação com o Empire?
- Porque é a minha medida.
- Queres subir pelas escadas? Pela tua cara já vi que não. Já reparaste?, a torre é a declaração de amor de quem a construiu à cidade. Mesmo que não tenha sido esse o seu objectivo.
- Como é que sabes que não foi? Talvez já quisesse que se tornasse um ícone da cidade. Talvez seja o ícone pop da Paris moderno.
- Porque é que as cidades para ti são sempre nesse feminino? Já viste como estamos altos? Nada é mais alto que a torre. É tão giro, tudo. Olha!
- Sim, Paris parece que se deitou aos pés da sua opulência. Aqui me têm, contemplem-me. Apreciam as minhas curvas. A minha sensualidade.
- Porque tratas todas as cidades assim?
- Porque as cidades são mulheres. Meço-as pelas suas mulheres. Meço-as pela sua sensualidade. Nova Iorque era crua. Uma sexualidade latente. Com as suas mulheres duras. Orgulhosamente conquistadores. Com o olhar. Com o traqueio do andar.
- E Paris é diferente? Ainda há pouco não gostavas.
- Não gostei quando vim pela primeira vez. Mas tudo agora me parece diferente. Está bom tempo. Estás aqui. E, olha, não sei. Parece um sopro de beleza que nos cobre a pele.
- É tudo demasiado bonito.
- Olha ali, ao fundo, o Sagrado Coração.
- Fica lá mesmo no alto. Ali os Campo Elísios. Temos de lá ir.
- Temos de ir a todo o lado. Temos de ser Midnight in Paris e Le fabuleux destin d'Amélie Poulain. Temos de ser personagens. Para desfrutar como imaginámos. Temos de ser eu e tu. Aqui em paris.
- Olha, beija-me. Antes de descermos.
- Aponta a máquina. Mas não olhes para a lente.
- Assim não vejo.
- Cala-te, vá, beija-me.
- Parvo.
- Lá vamos nós em direcção ao chão.
- Podemos passar ali pelo carrossel ao pé da ponte.
- Podemos, claro. E ainda temos de ir a uma outra ponte. Mas pode ficar para o outro dia. Deixar um cadeado.

2 comentários:

Mary Jane disse...

A segunda vez que fui a Paris foi a primeira que fui com algum tempo, mas foi para mim ainda muito pouco Paris. Terei de dar a Paris, definitivamente, uma segunda hipótese. Não foi o sonho que lhe adivinhava e trouxe-me antes o fim de alguns sonhos.Irei lá com um sonho maior ao meu lado e tudo fará mais sentido. E pode ser que tenha menos medo no topo de Notre Dame e no topo do Arco do Triunfo. Não ter deixado um cadeado foi a parte certa da minha viagem :)

E disse...

também eu fui duas vezes. E da primeira vez foi pouco tempo. E não gostei. Só quando dei esta segunda hipótese me apaixonei por paris.