sábado, 9 de fevereiro de 2013

Ele conversa com ela



(recordam)

- Foi no verão. Isso lembro-me. Acho que tinha vindo da praia.
- Do que estás a falar?
- Daquele dia… Tu sabes.
- Não, não sei. Esse teu hábito de começares a falar quando metade foi apenas dito na tua cabeça. É difícil sabes? Acompanhar o que queres dizer.
- Mas vais perceber. Eu tinha vindo da praia. Tinha uma saia azul e um top branco.
- Ah, já sei do que falas.
- Eu disse, irias perceber o que estava a falar. Conhecemo-nos nesse dia.
- Achas? Eu acho que estás errada. Para já foi no Verão, mas logo no início. Ainda estava em exames. Tu és muito mais inteligente que eu e tinhas feito todos os exames à primeira. Eu, burro, fiquei para trás. Mas nesse dia fui para o café. Fingir que estudava.
- Não sou nada. Tu apenas nunca te esforças. Mas, sim, foi nesse dia.
- Mas continuas errada. Não nos conhecemos.
- Como não? Nunca te tinha visto antes. Certamente me iria lembrar. Não porque sejas bonito, desculpa, mas é verdade, mas há algo na tua figura que me atraiu.
- Não tens que pedir desculpa. Mas sim, nesse dia não nos conhecemos. Eu encontrei-te.
- Por favor, que cliché!
- O que tens contra os clichés? Mas é a verdade. Anos antes tinha sonhado com alguém. Mas foi quanto entraste que vi que eras tu. Nunca pensei que fosse morena. Que tivesse a tua figura. Ou sequer da altura. A forma dos lábios e os lóbulos das orelhas assim pequenininhas com o tu.
- Então não era eu. Com quem sonhaste não era nada remotamente parecida comigo. Podia ter sido outra qualquer que tivesse entrado naquele dia naquele café. Ou num outro qualquer dia num outro qualquer café.
- Aí é que te enganas. Mais uma vez! Mas não faz mal. Até porque não vou conseguir explicar melhor. Porque eu tive a certeza que eras tu. Mesmo que quando entraste não te tenha visto claramente. Com o cabelo em desalinho da salmoura. E no meio daqueles teu amigos.



(depois)

- Achas que algum dia as pessoas deixarão de gostar de sexo?
- Não sei. Acho que é difícil deixar de se gostar de algo que é tão intrínseco.
- Mas, repara, com certeza haverá pessoas que ficam somente a olhar para o tecto enquanto o outro termina.
- Sim, haverá, mas acho que é muito triste.
- Porque haverá quem se preste a isso?
- Eu pergunto antes, como haverá quem queria estar com alguém que só olha para o tecto e espera. Fica ali deitado ou deitada à espera.
- Isso eu acho que é de resposta mais fácil.
- Achas? Porquê?
- Porque quando se gosta de alguém deixa de haver a razão por completo. Há uma grande carga de egoísmo que nasce no preciso momento em que se começa a gostar de alguém. Aliás, é bastante complexo, na verdade. Fazemos tudo pelo outro. Queremos estar com o outro. Mas ao mesmo tempo precisamos do outro. Pedimos-lhe algo, exigimos-lhe tempo. Esse bem precioso. E se ele nos escorrega pelos dedos fazemos tudo para que volte. E fazemos tudo para estar com o outro de novo.
- Mesmo que seja satisfazer uma necessidade?
- Repara, mas naquele caso deixa de ser uma necessidade. É algo mais. É uma completa manifestação de que o sexo é a ligação mais intima ao outro. Uma relação profunda. Estás da forma mais pura com o outro. Mesmo que o outro não queira. Mesmo que saibas que para o outro não há a relação que se quer. É um mero corpo. E para ti uma visualização do que o outro foi. Do que tu precisas que o outro seja. É uma forma tão pura ao mesmo tempo que é uma forma muito egoísta.



(à tarde)

- Deixa-me. Preciso de voltar. Tu precisas de voltar.
- Porquê?
- Porque é assim. 99% das pessoas do mundo não têm a vida que querem. Dessas nem quero pensar na percentagem das pessoas que não vivem. Limitam-se a sobreviver.
- É fodido, não é? Quando pensamos nisso.
-Sim, é. Por isso vamos os dois e encontramo-nos mais logo. Jantamos. Vamos ao cinema. Teremos os nossos beijos, abraços e o nosso tempo. Agora tenho mesmo de voltar.
- Passamos tempo demais com pessoas que não nos dizem nada. Ou que à força do convívio nos começam a dizer algo. Mesmo aquela pessoa que não gostamos com o tempo passamos a tolerar.
- Desenvolvemos uma simpatia qualquer. Por mais pequena que seja. E as coisas mudam. É verdade, sabes que agora falo bem com aquele tipo lá do escritório?
- Sério? Olha, sempre tens com quem fumar a meio da manhã.
- Tal como tu tens com quem ver as mostrar à hora de almoço?
- Sim. Olha, sabes, ela tem uma coragem dos diabos. No outro dia entrou naquelas lojas todas com porteiros. Ando por lá a experimentar vestidos, sapatos, saias, casacos. E no fim não levou nada.
- Porquê a coragem?
- Eu não sou capaz de entrar naqueles sítios se não vou comprar. Parece que é preciso estar vestida de uma certa forma. Caso contrário não nos atendem.
- Não ligo a isso.
- És um aldrabão. Tu ligas a tudo. Reparas em tudo. Bem, tenho de ir. Temos de ir.
- Só depois de me dares mais um beijo.

2 comentários:

Mary Jane disse...

Tanta carga filosófico-existencial nessas conversas... Still, há um ponto muito simples: será sempre melhor ver montras do que fumar.

E disse...

hahah, é verdade.