segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

Morre Jovem o que os Deuses Amam - The End



Termina a sua história e olha para mim. Um cigarro apagado está pendurado nos meus dedos. A vida foi-se com um último sopro?! Repito em voz baixa. Não percebo. Ambos continuamos em silêncio. “Morreu?!”, pergunto estupefacto. Claro que não pode ser.
Ele está ali à minha frente. Começo a sentir-me enganado. Como se aquele tipo magrinho de bigode ridículo estivesse a gozar comigo. Como se Ofélia, se se chama mesmo Ofélia, servisse apenas para me contar a sua história. Uma história qualquer. Porque ele está à minha frente. Acabou de acender um cigarro. “Está a gozar comigo não está?”, pergunto enfurecido. “Mas certamente que não”, responde com um sorriso, “Dizem que finjo ou minto tudo o que escrevo – ou digo. Não. Eu simplesmente sinto com a imaginação. Não uso o coração”. Estou incrédulo. Acendo um outro cigarro. Com o coração ou não, com a imaginação ou não, a verdade é que a história não pode ser verdadeira. Fervo em raiva. E ele parece não se incomodar com nada. Pede mais um café que lhe trazem à mesa. “Oiça, o que pretende com isto?”, pergunto ainda incapaz perceber a razão desta história. Mas incapaz de perceber porque não me levanto e vou-me embora. “Desejo ser um criador de mitos, que é o mistério mais alto que pode obrar alguém da Humanidade”, diz-me. “Mas que mitos quer criar com esta história?” grito enfurecido em agora em pé. Ele muito calmamente pega-me no braço para me sentar e vejo que se prepara para se explicar.
“A minha alma gira em torno da minha obra literária – boa ou má, que seja, ou possa ser. Tudo o mais na vida tem para mim interesse secundário. Porque Ofélia era a minha outra vida. Os grandes romances não existem apenas nos livros. Nas obras literárias. Nas minhas sou de outros. Mas a minha alma, por causa da minha obra literária, por causa de Ofélia tornou-se um mito. Tornou-se uma realidade que não tem barreiras de tempo e espaço. A minha alma é imortal. Porque Ofélia existiu. Porque escrevi. Porque para ser grande, sê inteiro: nada teu exagera ou exclui. Sê tudo em cada coisa. E eu sou tudo. Em tudo fui. E sou a tua imaginação agora.”
“Não, não pode ser”, digo aos berros, “não pode estar morto. Ninguém morto fala comigo. Ninguém morte me conta histórias”. E ele continua a olhar para mim por detrás daqueles óculos de aros redondos e nada diz. Silêncio e mais silêncio. Não consigo dizer mais nada.
“Acorda, Duarte. Acorda. Vais chegar atrasado. Hoje é o teu primeiro dia, vá, levanta-te.
Abro os olhos. O meu quarto. O rosto da minha mãe à minha frente. Um sonho? Demasiado real. Sinto a boca seca do fumo do tabaco. Na mesa-de-cabeceira o livro Desassossego. O telemóvel com uma mensagem de Ofélia: “boa sorte para o teu primeiro dia”.
Não tenho ambições nem desejos
Ser poeta não é uma ambição minha
É a minha maneira de estar sozinho.

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