segunda-feira, 19 de agosto de 2013

O Velho Que Construia Babilónias com Histórias


Há umas semanas fui a uma loja do meu bairro. Queria saber quando podiam ir lá a casa fazer uma pequena reparação. Foram no dia seguinte. Um dos homens disse que eu tinha muitos livros. E ficou ali uns segundos a olhar para eles. Virava a cabeça para ler alguns títulos. Chegou a passar a mão pela lombada de uns quantos. No dia seguinte fui ao café do bairro. Estava lá o mesmo velhinho de sempre, sentado na mesa de sempre. Quando me ia embora ele chamou-me. Pediu-me para sentar. Achei estranho mas sentei-me. Disse-me o seu nome e que lhe tinham contado que eu tinha muitos livros. Eu disse que não eram muitos. Mas ele disse que deviam ser os suficientes para a minha idade. Menos ele, que aos 83 não tinha quase livros nenhuns. E pediu-me um emprestado. Um daqueles, um romance, com histórias cheias. Disse que sim, claro. Nesse dia à noite percorri as estantes. Escolhi um de Milan Kundera, Insustentável Leveza do Ser. No dia seguinte fui ao mesmo café e emprestei-lhe o livro. Depois desse emprestei-lhe Travessuras da Menina Má de Mário Vargas Llosa, O Museu da Inocência de Orhan Pamuk e no Fio da Navalha de Somerset Maugham. Ele lia-os a todos muito rápido. Quando lhe emprestei o último perguntou-me se podia falar um bocadinho comigo. Claro, disse e sentei-me. Pedi uma garrafa de água com gás. Ele pergunta-me porque tinha escolhido aqueles livros. Essa era difícil. Penso durante um bocado em silêncio. Bem, digo, porque gosto dos autores. Gosto do que eles era ou foram. Ele olhou-me com os olhos cerrados e os braços cruzados à espera que continuasse. Pamuk, por exemplo, digo eu, estudou arquitectura, Kundera estética e literatura, Somerset acabou por estudar medicina, Só Llosa tirou direito. Como tu, não é? Perguntou-me o velho. Sim, como eu. Pergunto-lhe porque quis ler romances aos 83 anos. Ele diz que não queria morrer sem saber o que era. Porque queria saber se a história que viveu com a sua companheira de vida tinha equivalência nos livros. Há 4 anos que estava sozinho. E ler livros fazia-o lembrar-se dela. A forma que ela se sentava para ler. Debaixo da janela porque tinha mais luz. Lia sempre de manhã. Depois de fazer todas as coisas que tinha a fazer. Todas as semanas ia à biblioteca buscar um livro novo. Ia sempre à segunda-feira depois de almoço. E o que achou das histórias?, perguntei-lhe. Ele olhou-me nos olhos, são a imaginação do que essas pessoas acham o que é o amor. Também o devem ter vivido, digo. Ele sorriu e abanou a cabeça. Não se vive o amor, vive-se um amor. E depois escreve-se sobre ele. Que foi o que eles fizeram.

Sem comentários: