quinta-feira, 31 de outubro de 2013

Em Chelsea, Manhattan

À porta de entrada no apartamento de Cécile fumo um cigarro antes de tocar. Há poucas pessoas na rua a esta hora. Alguns entusiastas das corridas nocturnas. Correm apressados para chegarem a algum lado. Seja físico. Seja para tornearem os corpos. Tornando-os magros e secos. Para pertencerem ainda mais à cidade. Nos primeiros dias em que comecei cá a viver estranhei que também turistas corriam. Como se fizesse parte da experiência nova iorquina correrem. Via-os entrar nos limites de Central Park de calções curtos e ténis e começarem a correr. Vi-os depois a saírem suados e cansados. Mas talvez saíssem felizes. Talvez correr seja também uma forma de alcançar a felicidade. Ainda que em estádios muito pequenos. Numa das primeiras entrevistas que me fizeram em Nova Iorque, num desses programas matinais quando o livro estava apenas nas montras de algumas livrarias, foi se escrever me fazia feliz. E eu não soube responder. E agora estas pessoas passam por mim a correr com sorrisos no rosto. Os sons dos seus passos são abafados pelo som vivo e orgânico dos carros, do vento, as ambulâncias, sirenes e de outros seres vivos. Primo o intercomunicador. A voz metálica de Cécile pelo intercomunicador não pergunta quem é, faz uma afirmação. "Duarte, és tu?". Respondo que sou eu, sim. “Aqui enregelado à porta à espera que possa subir”. "Não andes sempre em mangas de camisa como se fosses um pobre coitado sem mais nada para vestir”. A porta abre-se. São alguns lances de escada até ver Cécile à porta entreaberta à espera que eu apareça com o melhor que Jil Sander tem para a tapar. Pela subida retive a sua voz. Já esta há tanto tempo cá mas ainda não perdeu todo o sotaque. Que nunca consegui perceber se o tenta camuflar propositadamente ou não. Mistura-se agora naquela forma rápida e desembaraçada de um nova-iorquino. Falam como andam, ou como correm, como aquelas pessoas lá fora. Em Cécile os sons ficam mais nasalados quando se irrita. Carrega nas vogais. Pierre estava errado, afinal demora mais algum tempo do que disse até perdermos o sotaque. Ela entra em casa e eu sigo-a. As grandes janelas que dão para a rua deixam entrar quase toda a luz que existe dentro da casa. Apenas um pequeno candeeiro junto à mesa está aceso. Uma garrafa aberta ao lado de um cinzeiro de onde sai o fumo de um cigarro mal apagado. Quando me aproximo ainda vejo as marcas do seu baton no filtro. Ela está junto do balcão a tirar mais um copo que me estende.

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