sexta-feira, 25 de outubro de 2013

Os Amantes Do Prédio Em Frente

Tinha ido buscar uma chávena de chá. Tentava combater o vício de beber mais um café. Enquanto esperava que a água aquecesse reparei que no outro lado, no prédio em frente, havia movimento. De janelas abertas e com a luz do dia ainda desperta eles andavam de divisão em divisão. Ela tinha um carrapito na cabeça e uma t-shirt larga. Ele estava em tronco nu e com uma chávena na mão que bebia amíude. Ela andava de um lado para o outro a fazer coisas e ele atrás a conversar com ela. E senti-me constangido mas sem conseguir desviar os olhos. Presenciava um momento de extrema partilha e intimidade. E eles simplesmente conversavam um com o outro. No meio da routina  de ambos, era ali que estavam a conversar. A contar as novidades um ao outro. Ou simplesmente a dizerem coisas sem sentido. Eles riam-se de tempos a tempos. Houve uma altura que se abraçaram e deram um beijo. Depois voltava tudo ao mesmo. Ela a fazer as suas coisas e ele atrás a falar com ela. Para ela.

Quando a água ficou quente deixei a copa e voltei para a minha secretária. Ali estava eu num predio coorporativo no centro de Lisboa. Do outro lado da rua, neste mesmo centro, onde dizem que vivem cada vez menos pessoas, estavam aqueles dois. Amantes, apaixonados, compinchas. E novos. Personagens tipo daquelas séries americanas. Levantei-me e voltei à copa. Uma janela continuava aberta. A outra fechada. A do quarto. Pelo menos estava lá uma cama. Onde agora, talvez, se amassem de forma física. Onde agora, talvez, falassem com os corpos. Voltei à secretária.


2 comentários:

Mafalda Beirão disse...

É o tão normal da vida, o tão comum, mas visto com olhos de quem está de fora... Quase de forma cinematográfica. Mas sei lá, faz-nos sair de nós, do nosso mundo e ver que há tanto para além do nosso espaço. E que há rotinas como as nossas dentro de outras quatro paredes...

E disse...

é verdade. a vida tem as melhores histórias de todas. E a vida até é inspiração para Nobel, como a Alice Munro. Nada bate a vida.