terça-feira, 3 de dezembro de 2013

Liguei A Televisão E Lobo Antunes Estava lá

Já escrevi uma vez. Reescrevo mais uma:

Ele era um velhinho com ar carrancudo. Um pouco de cara feia. E eu um puto. Ele com uma vida cheia. Eu apenas cheio de sonhos. Tirei o livro da prateleira dos livros do meu pai. Uma edição de uma das colecções que fazia. Subi as escadas e fechei a porta do meu quarto. Li. Voltei a colocá-lo na prateleira. Com um casaco de malha azul grossa estava ali. Parecia mais um que estava sentado nas mesas da feira do livro. Mas assinava livros. Um velhinho de ar carrancudo e cara feia. Mas de sorriso a quem entregava um livro. "Como te chamas?", perguntava. Um puto. Se fosse eu, seria a resposta. "Toma lá puto". "Obrigado. Sabe, gosto de escrever". "Não gostas nada, achas que gostas". Se calhar tem razão. "Conheces África? Não? Então não conheces nada". Se calhar tem razão. "O que sabes fazer?" "Nada, não sei fazer nada". "A primeira resposta honesta que ouvi". "Obrigado". "Toma lá". Afastei-me e abri a capa. "Para o Puto, que não sabe fazer nada, mas que sonha". Fechei a capa e fiquei ali a olhar para fila. Ele assinava livros.  


Ainda vão à televisão os meus heróis. Não sei o que ele viveu. Sei o que ele escreve. As crónicas são as melhores. Os livros ao lado dos melhores. E a voz é calma e doce mas cheia de raiva com a injustiça. As palavras parecem que são todas escolhidas. Quero ser igual. Desejo ser igual. As histórias que consta são marcantes, mesmo quando são simples e são orais. Um livro de crónicas vinham com um CD delas lidas. E eu tinha-as no iphone. Ouvi-as a correr. Ouvi-as a passear. Ouvi-as em todo o lado.  

Sem comentários: