quarta-feira, 4 de dezembro de 2013

Monólogo Do Passado

Não te tornaste má pessoa, Duarte. Queres um? Não? podes fumar se quiseres, sei que fumas, vejo-te lá em baixo, lá atrás onde vocês fumam. Vejo-te como ainda eras. Um miúdo. Sou apenas dois anos mais velha que tu, escusas de fazer essa cara. Que engraçado, não te lembras mesmo de mim, pois não? Pareces estar aí sentado mas estás perdido naquela praia. Com cara de rezingão a quem o mundo trocou todos os planos que tinhas. Mas, estás enganado. Estavas enganado. O mundo tem os planos que tu tens, mas não na ordem que queres. Não continues a fazer essa cara. Toma, fuma um. Isso. Tu, mesmo que não me reconheças, continuas igual. Agora com o cabelo domado por um corte feito em linhas de montagem em centros comerciais. Eras difícil de entender. Tanto quanto um rapaz consegue ser quando se tem 14 anos. Eu tinha 16, mas eras da minha altura. Magro. Magrinho. Uns pulsos finos. Mas uns braços com as veias salientes. E isso, na altura atraia-me. Ainda me atrai, se queres que te diga. Vá, Duarte, não faças essa cara. Mesmo que não te lembres de mim já me localizaste num certo período da tua vida. Estás de palavras mortas que sufocam dentro da tua boca. Amarradas por uma língua que não desata. Mas relembro-me que não eras parco em nada. Em gestos, em toques, em beijos, em afectos instântaneos. Pelo menos, agora, era o que isso parecia. Mesmo que naquela altura pensássemos que podíamos morrer de amor. Meu Deus, nem sequer sabíamos o que era amor. Confundíamos isso com atracção, recém adquirido desejo. Oh Duarte, não precisas de ficar assim, as coisas são como são. Sim, podes tirar outro. Onde estão as minhas maneiras, queres beber alguma coisa? Não precisas de te preocupar. Eu não bebo, obrigado. Senta-te e acende o cigarro enquanto bebericas isso. Sabias que te achava violento? Bem, imprevisível, no mínimo. Todas nós, que iámos para a tua terra, para a vossa terra, vos desejávamos. Ou sentiamo-nos atraídas. Ainda hoje não consigo explicar bem a mim própria. E pouco falamos sobre isso. Na altura falávamos, claro. Quem beijávamos. Quem deixávamos que nos tocassem. Julgo que olhávamos para vocês com uma certa esperança que nos fizesem mulheres, que nos fizessem crescer mais rápido. Parece estupido, eu sei. Talvez porque todos vocês pareciam selvagens. Eram aridos de tacto. Pareciam não saber o que eram limites. Não se importavam que havia algures um futuro. Eram diferentes de nós por estarem tão longe. Eram secos. Os nossos, os nossos iguais, rapazes e rapazinhos imberbes que se mascaravam de homens em miniatura choravam às escondidas por rasgarem as calças de ganga novas. Tal como nós faríamos. Mas vocês não. Pareciam despojados de lágrimas. 

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