domingo, 26 de janeiro de 2014

Matilde Descobre

Fiz-me anunciar mas não esperei que me mandassem subir. Chamei o elevador e subi sozinha. O senhor Antunes cumprimentou-me com um sorriso reverencial que lhe abanava a papada. Os anos de vinho conservam-no. Desde que menina vinha com o paizinho ao escritório que ele cá está. Sempre enfiado num fato de padrões abstractos que o tornam maior e bizarro. Como uma aberração vestido para o trabalho. Nunca soube o que ele faz. O paizinho diz que para se ser bem suedido temos de ter bons guarda segredos, um deles é o senhor Antunes e o outro é a D. Eugénia. É ela que me recebe no piso do paizinho mas não me deixa logo entrar no escritório. Faz-me conversa. Pergunta-me sobre a faculdade. Sobre o Ballet, o paizinho mostra-lhe fotografias e acha que fico deliciosa a dançar. Que é pena que um dia venha a deixar. Admira-me a pele, branquinha, sem qualquer marca, os lábios. Que pareço imenso com a mãesinha. A D. Eugénia é uma senhora de cerca de 50 anos. Embrulhada em vestidos de atar sempre de uma só cor e que se equilibra em sapatos de meio salto. Nunca tem os lábios pintados. O cabelo ganhou a cor da idade mas que usa num corte que a torna dócil. Mas implacável nas tarefas que o paizinho lhe entrega. As outras mulheres do edifício calam-se quando ela aparece. Não se impõe, no entanto. Tem o peso do poder com os seus passinhos curtos. A porta do escritório do paizinho abre-se e sai uma mulher de cabelos longos pelas costas. Vestido amarelo acima do joelho. Salto alto castanho que combina com a mala com apontamentos dourados. Com mais 20 anos que eu faz-me sentir pequenina e feia. Fechada dentro do meu corpo enquanto ela, sem olhar para a D. Eugénia, chama o elevador. Nem um segundo olhou para mim. A miúda que estava no meio do corredor de sabrinas rasas, jeans justas e cardigan cinzento cumprido. Quão ridicula devo ter-lhe parecido. O elevador chega. Ela entra. Vira-se para nós. Eu no mesmo sítio. A D. Eugénia sentada na secretária. E quando a porta se fecha quase que vejo um pequeno sorriso. De escárnio. De gozo. De superioridade. De tudo junto.
Menina, o seu pai recebe-a agora. 

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