Músicas Que nos Escolhem

No meu disco do computador está uma música. Uma música triste. Uma música que nem sabia que tinha. Não sei se a coloco na lista de amores perfeito se na lista de guilty pleasures. Acho que descobri esta música quando era puto e achava que tinha descoberto o amor. Que tinha descoberto o significado para a vida. Ela, claro, linda, não me ligava. E eu sofria. Como sofrem todos aqueles que são ignorados. E todos somos ignorados por alguém ao longo da vida. Mas aquilo, naquela altura matava-me por dentro. Não tinha uma DT como alguns. Tinha um skate. Mas isso parecia tornar-me ainda mais criança. E eu que me julgava cool com as minhas calças largas e os meus gorros da Dickies que o meu pai me trazia de Nova Iorque. Mas um que a admirava à distância. Na escola, metido no walkman ouvia The Smiths, Bad Brains, Mas em casa, com a porta fechada ouvia outra coisa. Sentado no chão colocava em loop. Uma e outra vez. E achava que aquilo falava para mim. Não dizia a ninguém que ouvia e gostava. Que ouvia e percebia. Era meu. E dela, ainda que ela não soubesse.

Anos passaram. Eu cresci. Ela também. Eu fui para um lado. E ela para outro. Cada um fez a sua vida e a música, com as suas memórias, ficaram perdidas. Apenas trancada e entre outras no meu disco. A lembrar-me que as coisas existiram num passado. E todos os dias quando acordo e ela, agora mulher, bela como dantes, ainda dorme, penso que a vida é irónica como o raio. E por vezes tem surpresas boas. Continuo a não ter uma DT. O skate está arrumado na garagem dos meus pais. Ainda tenho os gorros. As calças largas agora já não existem. Mas tenho o seu cheiro. E o seu tacto quando acorda e me diz bom dia.