Que tem o seu lugar no início da semana, como num filme. Saímos porta fora de casa pela manhã de fato e nó de gravata bem alinhado. Talvez, numa das mãos, para ser mais cénico, um batido vitamínico e na outra a pasta castanha com o iPad, um moleskine e snacks para dia. Dá-se o caso do que acabo de relatar até ser verdade. Posso descrever os snack mas seria tempo perdido para relatar o resto. Salto a parte da manhã. Onde existem computadores. Telefones. Telemóveis. Colegas num misto de open space e gabinetes com portas de vidro fosco. O normal zumbido do material eléctrico. O som de passos no soalho flutuante de madeira bonita. Passo para o almoço. Que seria a uma certa hora, nunca acontece nessa certa hora. Sempre depois. Ainda que hoje tenha num sítio da moda. Daqueles que aparece na Time Out. E noutras reportagens em revistas de lifetsyle. Para elas e para elas, entenda-se. Foi escolhido por um colega mais velho, com algum peso a mais e fatos bastante trendy. Foi a filha que lhe falou daquele espaço, com buffet como a malta gosta, disse-me. Fiquei surpreendido. Nem tanto como a sua tentativa de impedir os anos avançarem. Afinal o descapotável encarnado na garagem e a nova namorada anos mais nova - mas gira, o sacana, que lhe escolhe os fatos - pareciam indicar. E éramos 5 em redor de uma mesa, num espaço bonito - que o era - bem iluminado e bem frequentado. Não vamos negar uma realidade factual. Gente bonita. Empregadas de largos sorrisos de bem tratados dentes brancos e cabelos apanhados com as californianas bem arranjadas. E quando elas, as clientes passavam, no equilíbrio dos seus saltos altos, ele, o colega do descapotável, virava sempre a cabeça. Sempre. E a conversa iniciava-se. Com histórias suas. A experiência da vida. Sobre o que uma mulher quer. Precisa. Necessita. E eu ouvia. Ouvíamos todos. Mas não sei o que os outros pensavam. Apenas o que eu pensava. Que a experiência que ele falava tinha muitas falhas. Afinal tinha um casamento desfeito no currículo. Mas isso era julgá-lo antes do tempo e sem saber as razões da quebra do seu casamento. E que a experiência de uma namorada mais nova, bonita e cuidada apenas relatava uma situação concreta. Afinal agora vivia em agradar duas mulheres mais novas, a filha e a nova namorada. A ex-mulher era a experiência que falava. O que é triste, foi a minha conclusão. Ele, 50 e meios anos. Bem sucedido, bom ar apesar de alguns quilos a mais, falava de uma pessoa como experiência. Já não somos recordações. Somos apenas experiências de alguém. Já não somos memórias e presentes de sorrisos. Somos bagagem de aprendisagem.
E tudo termina, de forma cénica, já noite, com as luzes de Lisboa acesas. O nó da gravata já meio torto. O recipiente do batido vazio numa mão e meio curvado, cansado, entro em casa.
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