domingo, 22 de fevereiro de 2015

O mundo nunca cresce à tua velocidade

Tenho um amigo que faz anos no primeiro dia do ano. E só fui uma vez à sua festa de aniversário. Era o único dos seus amigos presente. Não o vejo há anos. Há muitos anos, na verdade. Desde que terminámos o 12º ano. Ele saiu do país. Nunca mais voltou. Fizemos toda a escolaridade juntos, e separámo-nos naquele momento. Estava cá com os avós. A mãe estavam no Dubai. Naquela altura era uma excentricidade. O pai tinha-os abandonado logo quando nasceu. Ele foi para Londres para a universidade. Hoje trabalha lá. Pelo que vejo no Facebook, safou-se bem. E isso nunca esteve em causa. Tudo nele apontava nesse sentido.

Ele era um pouco mais alto que eu. Ainda que ambos fossemos dos mais baixos. Mas ele era diferente de todos nós. Tinha um confiança nele próprio. Era arrogante, apesar naquela altura não lhe darmos esse nome. Tinha cabelo preto como os olhos. Nunca mostrava afecto ou simpatia por ninguém ou nada. Respondia a todas as pessoas. Mas era também incrivelmente simpático quando queria. Sempre que ia lá a casa a minha mãe era inundada de simpatia. Os meus pais adoravam-no. Nas escola era rude com quase todos. As miúdas adoravam-no.

À medida que crescíamos ele não mudou nem um pouco. Dizia que conseguia tudo o que queria. E era verdade. Talvez houvesse coisas que demorassem mais um pouco a conseguir, mas conseguia. Nunca admitia estar errado. Mas eu gostava dele. Ele irritava-se comigo, Dizia que era demasiado bonzinho. Mentiu descaradamente para quando ainda no 10 ano conseguir a míuda que estava no primeiro ano da faculdade. Ainda hoje não sei como o conseguiu. Foi com ela que perdeu a virgindade. Ele próprio contou-me. Ligou-me no outro dia. Como ela era como as miúdas da playboy, apenas tinha uma pequena réstia de pêlos lá em baixo. Envergonhado deixei-me ficar a ouvir ele descrever tudo o que fizeram. mas vezes que fizeram, porque veio-se cedo demais na primeira vez, disse-me com um gargalhada. Parecia que nada o embaraçava. Antes do baile de finalistas disse que queria um fato catita. Empregou-se na loja da Gant no Colombo. Todos os fins-de-semana durante um mês vinha para Lisboa trabalhar na loja. Quando lhe deram o fato despediu-se. Foi o mais bem vestido do baile. Mas isso era o normal. Ele sempre foi o que se destacou. Foi nessa madrugada, enquanto segurava o cabelo da miúda com quem tinha ido ao baile enquanto ela vomitava - num dos raros gestos de cuidado e preocupação para com o outro - que me disse que se ia embora. Vais para onde? perguntei-lhe. Londres, disse-me ele. Como?

Nos dias seguintes sempre que tentava falar com ele sobre Londres, ele dizia para me calar com isso. Até que me deixei estar. Talvez fosse mais uma das suas mentiras. Porque ele continuava igual. Depois do último exame nacional fomos todos acampar para a costa alentejana. Demasiado jovens. Demasiado livres. Demasiado soltos. E numa noite, já com demasiado alcóol, ele diz-me, é verdade, vou-me embora. Mas demasiado bêbado não consegui acompanhar, disse apenas o quê? depois apaguei para o lado. Semanas depois ele foi lá a casa. Os meus pais deixaram-no entrar. ele fechou a porta do meu quarto. E disse-me que se vinha despedir. Vi que, pela primeira vez, não tinha qualquer confiança dentro dele. 

Vou-me embora, de vez. Foste um bom amigo. Talvez o único. A minha mãe faleceu vai para Londres para o ano. Vai deixar o Dubai. E eu vou ter com ela. Acho que é o normal, juntar-me a ela. Já me candidatei à universidade lá. Fiz tudo sem te contar nada. Primeiro, porque não tinhas de saber. E depois porque tenho pena de te deixar. És um bom tipo. Demasiado bonzinho, talvez. O mundo não é um lugar bonito, pá. Não esperes o melhor das pessoas. 

E saiu sem dizer mais nada. Soube que partiu no dia seguinte.

Descobri-o há uns dias no Facebook. Está igual mais mais velho. Mesmo nas fotografias continua com um magnetismo difícil de ignorar. Não percebi no que trabalha. Mas as fotografias mostram-no de fato muitas vezes. Os mesmos olhos negros. O mesmo cabelo, agora com cera. Algumas rugas. mandei-lhe um pedido de amizade. Mandou-me uma mensagem horas depois.

Tu!! Fantástico! Ainda adoras Atticus Finch? Tenho saudades tuas, pá! 

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