segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

Morre Jovem o que os Deuses Amam - Part IV




Ela não faz qualquer movimento com o rosto. Escreve Fernando para logo de seguida perguntar o último nome. “Pessoa”, responde a meia voz envergonhada.

Parou de contar a sua história e ficou a olhar para mim. Acendi um cigarro e fiquei em silêncio. Esperava que continuasse. Sorria-me. De forma franca. Como se acabasse de partilhar algo íntimo. O que não deixava de ser verdade. A forma atabalhoada de como tinha dito o seu nome a Ofélia denotava uma verdadeira forma infantil de lidar com a atracção feminina. Ao fim de alguns segundos fomos interrompidos pelo dono do café que perguntou a Fernando se ele iria ficar para mais uma sessão de escrita. “Sim, mas só quando o jovem partir, estava-lhe a contar como conheci Ofélia”. “Então, escreve, não é verdade?” pergunto. Mais uma vez mais para fazer conversa. “Sim”, responde-me, como tudo começou com o nome de Ofélia continuou depois com a escrita. Mas foi assim que a conheci. E foi apenas bastante aquele segundo em que vi o seu nome escrito. Mas conto-lhe tudo amanhã, se me der o prazer de se juntar a mim. Estarei por aqui depois de almoço. Levantei-me. Agradeci o café e o copo de vinho tinto e sai. Não fazia intenções de voltar. Não fazia intenções de voltar a conversar com o Fernandinho. No dia seguinte fumava um cigarro à varanda. Lisboa continuava a brilhar. O som da vida das ruas chegava em murmúrios cá acima. Quando tinha sete anos escrevi um bilhetinho a uma colega da turma. Um bilhete de uma folha rasgada do caderno. Tinha uma pergunta, gostas de mim?, e dois quadradinhos, um para o sim e outro para o não. Não me lembro da resposta dela. Nem me lembro da sua cara. Nunca mais a vi quando terminei a quarta classe fomos para escolas diferentes. Mas o que tentava a todo o custo era lembrar-me que cara terei feito quando recebi o bilhetinho de volta. Aquele momento em que tenho o bilhete na minha frente e olhei para trás para a secretária dela. Aposto que terei sorrido de nervoso. Um sorriso tímido e infantil. Tal como Fernando quando falou com Ofélia anos mais tarde. Sem dar conta descia o chiado de cigarro nos lábios e pensava em Pessoa e Ofélia. E até quanto podemos estar apaixonados por alguém para o simples facto de falarmos com a pessoa nos satisfaça. Mas é claro que o amor não se compadece apenas com frases e palavras. Há que haver intimidade. Não necessariamente física. Tem de haver o olhar de desejo quando os lábios se entreabrem para em sopros de voz sair o nome de quem se gosta. Na melodia doce e suave dos afectos. E ali estava eu novamente. Eram onze horas da manhã e estava à porta do café onde Fernando chegaria depois do almoço. Mas entrei. Sentei-me na mesa do dia anterior. O dono sorriu-me com um olhar cúmplice. Esfregou as mãos no avental que um dia foi branco. Sem lhe dizer nada mete-me à frente duas pataniscas de bacalhau e um copo com uma garrafa de tinto já aberta. Diz que ainda vou ter que esperar um bocado mas que ele vai aparecer. Aprece todos os dias. “Está a construir a Orpheu, já me mostrou umas coisas, mas não percebo nada daquilo”. Pergunto-lhe se conhece Ofélia. Diz que nunca a viu. Mas já ouviu falar. E ele, como toda a gente, nunca resiste a ouvir a história de Fernando e Ofélia. Pergunto o que tem de tão especial para toda a gente não conseguir resistir. Ri-se e diz-me que estou ali de novo, “não é verdade?”. Pergunto o que é a Orpheu. Responde-me que vou ter que perguntar porque ele não sabe.

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