sexta-feira, 12 de abril de 2013

Partir para ficar



O meu pai era um anarco-sindicalista filho de um sapateiro e a minha mãe uma betinha filha de um burguês taberneiro. Conheceram-se a seguir à revolução. Quando o meu pai corria atrás das miúdas do liceu privado. Quando nasci ouvi música de intervenção e árias de opera. O meu pai deu-me livros, o meu avó ensinou-me esperanto. A minha mãe ensinou-me piano e o meu outro avó mandou-me ir conhecer o mundo. E eu fui.

Claro que o mundo era o quarto. Na parede a sul era África. A este a Ásia. A Oeste a América. A norte o resto da Europa. Em cada uma dessas paredes tinha um quadro. Um quadro que eu tinha escolhido na feira da cidade onde vivia. Uma feira que acontecia todos os últimos domingos de cada mês. Quem mos  comprou foi a minha avô, mãe do meu pai. A minha outra avô tinha-me comprado uma bicicleta. Mas eu tinha vergonha de andar de bicicleta porque os outros miúdos gozavam comigo. Como era baixinho diziam que não chegava com os pés aos pedais. E então eu ficava no quarto. Não tinha televisão.

Quando fiz quinze anos o meu avó entrou no meu quarto e mandou os livros todos ao chão. Disse-me que os livros eram importantes, mas tinha de conhecer o mundo, porra. Que já me tinha dito isso. Então levou-me a Milão. Nunca conheci mulheres tão bonitas! E ele disse-me que aquela beleza não havia nos livros. Eu disse que até havia. E ele disse que não. Que nos livros havia a beleza que a nossa mente criava com as descrições. Esta, era simplesmente sensorial. E eu até percebi. Aquelas mulheres deixavam atrás dela um rasto de aroma no ar. Um aroma doce e intenso.

Quando voltei comprei um caderno de capa preta. E comecei a escrever. Com erros e tentava imitar o que lia. Mas era muito mau. zangado comigo mesmo ia para rua andar de bicicleta. Agora já chegava à vontade aos pedais. Um dia o meu pai comprou um computador. E eu guardei o caderno na gaveta da secretária. Fechei à chave para a minha mãe não ler o que escrevia. E abri um blog. 

2 comentários:

MAC disse...

E que óptima ideia tiveste!
A minha avó sempre me disse: para aprender, é ir ou ler! Adoro o blog; passo por aqui sempre que posso! ;)

E disse...

Obrigado. Passa sempre que aches que vale a pena