quarta-feira, 3 de abril de 2013

Sozinho nas ruas de Nova Iorque



Há uma parte em Kafka à beira mar em que uma das personagens vai para uma cabana na montanha. Não tem electricidade, gás ou água canalizada. O silêncio é total. Excepto pelos aterradores sons da montanha. Aquilo tudo amedronta-o. Eu tenho muitas vezes o desejo de ter uma cabana daquelas. No meu caso trocava a montanha por uma falésia. Mas tenho sempre grandes dúvidas até que ponto a solidão me ganhava. Mas no meu imaginário ficaria contente com os meus livros e a minha máquina de escrever. Mas o som da solidão é estranho. Estar sozinhos nunca é como pensávamos.


Há dois anos estava em Nova Iorque no alto de um 17º andar. A noite, cá fora, tinha acendido mil luzes. Ela dormia dentro da coberta. Vim à janela e tirei algumas fotografias. Sentei-me no beiral e tentei ler. Mas a cidade é desconcertante. Vesti o blusão por cima do hoodie cinzento, atei os Nike Free Run e desci no elevador. Andar atrás de andar. Disse boa noite ao concierge que me abriu a porta e meti-me a caminho. Não queria ir a nenhum sítio. Subi a Lexington Avenue. Sentei-me num banco por debaixo da Queensboro Bridge. Passaram uns putos de bonés a fumar cigarros. Uns trabalhadores remediavam a estrada. Fumo sai do alcatrão. Artérias vivas do metro. Voltei a subir para Norte. Fui encontrando pessoas. Umas que corriam àquela hora da noite. Outras que fumavam cigarros. Mas estive sempre sozinho. Numa cidade que, por mais que deseje, não era a minha. Não era, não é. Mas talvez um dia venha a ser. E, apesar de ser uma das maiores do mundo estava sozinho naquele momento. Só conhecia uma pessoa que estava dormir num quarto de hotel. Dei por mim a subir a Madison Avenue. Boutiques de grandes marcas reluziam de luzes apagadas. Montras perfeitas. Vestidos e sapatos de mil dólares estavam por detrás dos vidros. Sentei-me no passeio à frente da Barneys. Um carro de polícia passou à minha frente mas ignorou-me. No ar o som de mais carros. Algumas ambulâncias.


Uma ou duas horas depois, não sei, o concierge voltou-me a abrir a porta. Entrei no elevador e voltei a subir 17 andares. Tirei o hoodie na cabeça e olhei-me ao espelho. Sim, ainda era eu. A solidão não me tinha ganho. Abri a porta e entrei no quarto. Ela continuava a dormir. Via o peito a subir e a descer.

5 comentários:

Anónimo disse...

(conheces o filme Into the Wild?...)

Sue disse...

Imagino que a verdadeira solidão seja um pouco mais dura que um passeio por NYC ;)

E disse...

Conheço, claro ;)

E disse...

Claro, claro . Mas a solidão é enganadora, e aparece nos momentos mais inusitados

Anónimo disse...

lembrei-me dele quando te comecei a ler.