quinta-feira, 23 de janeiro de 2014

Meco, Assunto Sério

Estive para escrever várias vezes. De várias perspectivas. Mas, a determinada altura, soube de alguém que conhecia uma das pessoas desse acontecimento. E por respeito abstive-me. Porque, que sabia eu? Não estive lá. Como não estava ninguém. Não conhecia nenhum dos intervenientes. Lamentei as suas mortes, como lamento todas as mortes inúteis (como são todas). Apenas sabia o que a comunicação social publicava. Comecei a saltar as partes do jornal em que o acontecimento era notícia. Porque, aparentemente, o assunto tornou-se uma investigação, onde existe o Ministério Público e termos jurídicos. Nesses casos, quase sistematicamente, a comunicação social falha. Os termos são mal utilizados. E, ainda que a (des)Ordem dos Advogados não tenha sido o meu fim, sou ainda um tipo das leis. Do pragmatismo. Que acredita na justiça. E, acima de tudo, ninguém deve ser julgado precipitadamente.

Todos julgamos. A mesma pessoa que conhece um dos jovens do meco, disse-me isso mesmo por e-mail. Quando eu no anterior tinha dito que não julgava. E ela tinha razão. Todos julgamos. Atacamos. Mas devemos controlar esse sentimento de apontar dedos. Mas ainda que julguemos, não podemos condenar. Principalmente quando nada sabemos. Eu não sei se o que se passou estava relacionado com praxes. Eu não sei porque não levaram os telemóveis. Eu não sei porque escolheram aquele local. Eu não sei se o sobrevivente tem, de facto, amnésia selectiva. Nem eu, nem, acredito, muitas pessoas.

Duas hipóteses:
- Uma brincadeira que correu mal.
- Um plano qualquer.

Qual é que tem mais factos? Até agora nada. Suposições. O que se sabe foi que vários jovens perderam a vida. O sobrevivente não está contente. Mas todos condenam as praxes. Eu, não sou o maior apreciador das mesmas. Muitos julgam o sobrevivente. Mas primeiro é preciso pensar que, aparentemente, ninguém obrigou os restantes a irem para aquele local. Alguém no meu trabalho, que nada tem a ver com leis, disse-me cheia de fúria: mas tem a responsabilidade moral! E eu achei triste o que ela disse. Porque a moral ainda não é lei. Kant não tornou a sua doutrina lei. E devemos ter cuidado com o que dizemos, porque todos somos e temos alguma responsabilidade moral sobre alguém.

Há uns anos, houve o caso dos portugueses desaparecidos no Brasil. Que foram depois encontrados enterrados. Tudo planeado por um outro português. Na altura avançavam também várias opiniões e posições. E, antes de se saber o desfecho, havia uma coisa que me fazia confusão. Havia uma das vítimas que tinha uma qualquer doença. Tinha de tomar todos os dias um medicamento. E numa entrevista com a família foi dito que ele tinha medicamentos exactos para os dias que iria estar no Brasil. E aquilo não me fazia sentido. Ir para o estrangeiro. Estar dependente de um medicamento. E levar o número exacto para os dias que se estará fora? Havia ali qualquer coisa. Mas estava errado. Foi assassinado. Com ou sem a medicação do dia.

A ilusão de algo não a torna real. Os factos do Meco ainda não se conhecem. Não apontemos dedos. Não condenemos. A dor de quem perdeu as vítimas é compreensível. A dor dos amigos. Dos colegas. Mas ainda não há verdade. Esperemos que as haja. Para descanso de todos.


2 comentários:

Mafalda Beirão disse...

Obrigada Tiago. Acho que é a única coisa que te posso dizer.

Por tudo, mas acima de tudo pela racionalidade e pela imparcialidade que te caracteriza. Porque, apesar de tudo e de eu não poder ser imparcial neste caso, o excesso de especulação e a sede de tragédia serão duas coisas que nunca conseguirei compreender na mente portuguesa. E ler algo como o que escreveste, sem apontar dedos, sem condenar... É quase que ler algo que alivia, embora não apague a dor.

E por isso, obrigada.

E disse...

Infelizmente, não é só a mente portuguesa. É a mente humana. Acho que devemos dar um passo atrás e tentar vir the big pic antes de vermos as coisas. nem que seja para confirmarmos as nossas primeiras expectativas.