segunda-feira, 16 de março de 2015

A Vida de todos nós

É fodida. Mais para uns do que para outros. Mas sempre, pelo critério de quem está de fora. Todos temos um lado de voyeur que é olhar para a vida alheia e a julgarmos. É tão fácil julgar. Mas julgarmo-nos, já é mais lixado. Pelo menos com exactidão. Mas esquecemo-nos que todos temos deslizes de carácter.
 
Fui um puto aburguesado. Oh se fui. Mas havia ainda mais aburguesados que eu. Aqueles que todos os anos mudavam os casacos Duffy e tinham DT. Eu tive apenas um casaco Duffy e nunca tive uma DT. Mas são pormenores. Porque o Moisés nunca teve nada disso. No Inverno tinha apenas ténis Allstar rotos e eu tinha uns belos ténis Nike. Que trocava para uns outros quando jogava futebol. O Moisés não trocava de ténis. O Moisés era preto e eu era branco. Eu vivia numa vivenda nos subúrbios. O Moisés vivia numa casa pequena num bairro à saída da cidade.
 
Conheci o Moisés num campo de futebol. Eu passava o tempo todo a jogar à bola e o Moisés também. Era normal que um dia jogássemos um com o outro. Não me recordo muitos pormenores. Mas ficámos amigos. Ele chamava-me branco. Mas eu tinha vergonha em chamar-lhe preto. Mesmo quando ele me tentava e, diz, diz, repetia. É o que eu sou. mas eu tinha vergonha. Nunca consegui perceber bem porquê. Afinal ele chamava-me branco e eu não levava a mal. Mas ofendia-me quando ele dizia que a minha vida era fantástica. Ele não sabia o que estava dentro da minha porta de casa. E ele respondia que era sempre melhor que a dele. Talvez, dizia.
 
Um dia houve um torneio de futebol na nossa cidade. Patrocinado pela snickers. Para nos inscrevermos tínhamos de ter uma equipa e ter um número de embalagens de chocolates. Eu e o Moisés não tínhamos equipa. E foi nesse dia que descobri o preconceito na pele. Ninguém quis que eu fosse para a sua equipa porque era amigo do preto. E o preto não tinha como comprar os snickers para ter as embalagens.
 
O meu avó ouviu a história pela boca do meu irmão. Mandou-o ao café para me comprar todos os chocolates que eles tivessem e mos desse. No dia seguinte, na escola, disse ao Moisés. Ele ficou contente. Mas ficámos os dois contentes porque podíamos escolher a nossa equipa. Não era a melhor equipa. Na realidade, era bastante fraca. Mas no dia do torneio lá fomos. A minha mãe levou-nos a todos. Íamos encavalitados uns nos outros no banco de trás. Ganhámos apenas um jogo em quatro. Mas ainda hoje me lembro de como celebrámos o único golo que marcámos e nos fez ganhar esse único jogo.
 
 

2 comentários:

Mexicola Girl disse...

Bela história =)

Mam'Zelle Moustache disse...

As lembranças/vitórias de quando éramos putos são as melhores da vida. Sem dúvida alguma. :)